sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

República das Aranhas

Mini-Teatro
Autor: João Paulo Dantas


(Antes de começar, conversas “off”)
Jornalista 1
(É, acho que vai ser tipo assim, uma coletiva de imprensa)
Jornalista 2
Mas, me disseram que será algo assim a la Machado de Assis.
(Entra o Assessor de Imprensa)
Assessor de Imprensa
Atenção, atenção, senhoras e senhores !
Como assessor de imprensa, eis que me fora dada, pelas canônicas araquinídeas, o dever de dar conhecimento a todos sobre a mais importante pesquisa cientifica dos últimos séculos, através dessa entrevista coletiva.

Jornalistas
Óhhhhhhhhhhhhh

Assessor de Imprensa
O nosso cônego AraKem, aqui, em carne e osso, acaba de construir para a nossa Sereníssima República o melhor sistema eleitoral dos séculos dos séculos dos séculos.

Jornalista 2
É Eco ?

Jornalista 3
Não, não. E nem gagueira. É reforço de semântica.

Assessor de Imprensa
Com as senhoras e com os senhores, cônego Arakem.

Arakem

Senhores jornalista! Apesar da Globo preferir noticiar a descoberta da linguagem fônica dos insetos, feita por um inglês; eu vos digo: eu aprendi o Aracnide, o idioma das aranhas. Mas, isso não é o objeto da minha entrevista, e nem tão pouco tenho a pretensão de ressalvar os direitos da ciência nacional, pois a minha obra é muito maior do que a possível descoberta inglesa.
Repórter 1
Dr. AraKem, a pesquisa do inglês está consolidada....

Repórter 2
É, Dr. Até a Veja já publicou.

AraKem
Fônica dos insetos é moleza. Idioma das aranhas, não é tão fácil aprender, mas é possível. Agora, eu pergunto, aos senhores jornalistas. E organizar um sistema pros bichinhos, heim? Pensa que é moleza? Pois então, foi isso que eu fiz, além de “aracnizar” com elas.

Repórter 4
O senhor quer nos dizer que, além de falar a língua das aranhas, o senhor organizou uma forma de governo aracnídeo ?

Arakem
Isso, meu rapaz. Isso mesmo, e com um sistema eleitoral. E precisava de algo diferente, já que muitos dos existentes pareciam-me bons, alguns excelentes, mas todos tinham contra si o existirem. Mas, optei pela forma a La Veneza, aquele dos sacos e bolas. Alguém já ouviu falar?

Jornalistas (todos)
Nãoooooooooooooo !

AraKem
Era o que eu imaginava. Bom, segundo Machado de Assis, “ele exclui os desvarios da paixão, os desazos da inépcia, o congresso da corrupção e da cobiça”... Mas não foi só por isso que o aceitei; tratando-se de um povo tão exímio na fiação de suas teias, o uso do saco eleitoral era de fácil adaptação, quase uma planta indígena.

Jornalista 4
E esse novo sistema tem nome?

AraKem
Sim, sim, tem. Sereníssima República.
Jornalistas (todos, repetem)
Sereníssima República!

AraKem
Não é nada fácil, é preciso uma paciência de Penélope. (essa vocês não conhecem, também, né?). Também já imaginava...

Jornalista, (todos)
(balançam a cabeça, negativamente)

AraKem
Pois bem. Desde que compreendeu que no ato eleitoral estava a base da vida pública, a jovem República aracnídia tratou de exercê-lo com a maior atenção. E o fabrico do saco foi uma ação nacional. Uma obra-prima; um processo eleitoral simples.

Jornalista 6
E o sistema funciona?

AraKem
A eleição fez-se a princípio com muita regularidade; mas, logo depois, um dos legisladores declarou que ela fora viciada, por terem entrado no saco duas bolas com o nome do mesmo candidato. Muda-se o formato do saco.

Jornalista 2
Qualquer semelhança com os votinhos nossos de antigamente, é mera coincidência...

AraKem
Aconteceu, porém, que na eleição seguinte, um candidato deixou de ser inscrito na competente bola, não se sabe se por descuido ou intenção do oficial público. Altera-se o formato do saco.

Jornalista
Que saco, heim !

AraKem
Não é nem preciso dizer que houve reclamações. Do partido retilíneo e do partido curvilíneo. Ah, explicando essas denominações: Como elas (as aranhas) são, principalmente, geômetras, é a geometria que as divide em política.
Umas entendem que a aranha deve fazer as teias com fios retos: é o partido retilíneo; outras pensam, ao contrário, que as teias devem ser trabalhadas com fios curvos: é o partido curvilíneo. Há, ainda, um terceiro partido, misto e central, com este postulado: as teias devem ser urdidas de fios retos e fios curvos: é o partido reto-curvilíneo; e finalmente, uma quarta divisão política, o partido anti-reto-curvilíneo, que propõe o uso de teias urdidas de ar, obra transparente e leve, em que não há linhas de espécie alguma.

Jornalista 3
Valei-me, senhor. Deus é mais !

AraKem
Para uns, a linha reta exprime os bons sentimentos, a justiça, e a probidade; ao passo que os sentimentos ruins ou inferiores, como a bajulação, a fraude, a deslealdade, e a perfídia, são perfeitamente curvos. Os adversários respondem que não; que a linha curva é a da virtude e do saber, porque é a expressão da modéstia e da humildade; ao contrário, e a ignorância, são retas, duramente retas.
O terceiro partido, menos anguloso, menos exclusivista, desbastou a exageração de uns e outros, combinou os contrastes, e proclamou a simultaneidade das linhas como a exata cópia do mundo físico e moral. O quarto limita-se a negar tudo.


Jornalista 4 (fazendo um comentário...)
Vai do DEM ao PSD, passando pelo PC do B...

Jornalista 5
Ou de Licurgo, na Esparta a Solón, em Atenas, passando por Sérvio Túlio, em Roma...

Jornalista 2
Nem Majoritária, nem Proporcional. É a caótica eleitoral.

AraKem
Aumenta saco, diminui saco. E haja saco pra tantas bolas. Mas, abusos, descuidos e lacunas tendem a desaparecer, e o restante terá igual destino, não inteiramente, pois a perfeição não é deste mundo. Pelo menos na medida e nos termos do conselho de um dos grandes sábios da minha república, Erasmus, (conhecem ?).

Jornalistas (todos)
Nãoooooooooooooo !

AraKem
Também já imaginava. Pena que, pelo curto espaço de tempo, sinto não poder proferir-vos integralmente, o seu último discurso, e somente resumi-lo: Encarregado de notificar a última resolução legislativa da Sereníssima República às dez damas incumbidas de urdir o saco eleitoral, Erasmus contou-lhes a fábula de Penélope, que fazia e desfazia a famosa teia, à espera do esposo Ulisses:

— Vós sois, disse Erasmus, a Penélope da nossa República; tendes a mesma castidade, paciência e talento. Refazei o saco, amigas minhas, refazei o saco, até que Ulisses, cansado de dar às penas, venha tomar entre nós o lugar que lhe cabe: a Sapiência.

Boa noite, e obrigado a todos!

Um comentário:

  1. Mini-teatro, sobre Sistema Eleitoral, escrito especialmente para um grupo do Curso de Direito da Unoesc, Campus de Videira.

    ResponderExcluir