segunda-feira, 2 de novembro de 2009

RIO DO PEIXE: FONTE DE PREOCUPAÇÕES

RESUMO.

O objetivo desse artigo, escrito por não especialistas da área, é o de chamar a atenção de todos que são preocupados com a degradação do meio ambiente na região, e para que se possa cobrar, mais sistematicamente, das autoridades competentes, o desenvolvimento de metodologias e ações de Educação Ambiental voltadas à instrumentalização e ao fortalecimento dos aparatos legais colocados à disposição do Comitê da Bacia do Vale do Rio do Peixe. O artigo foi motivado, primeiramente, em função da realização, em Joaçaba, há tempos atrás, do I Fórum de Revitalização do Rio do Peixe, promovido pela Universidade do Oeste de Santa Catarina, e do qual participaram importantes autoridades, entre as quais o Governador do Estado. O Governador, aliás, garantiu, no evento, que um expressivo percentual dos 300 milhões de dólares, levantados a título de empréstimo, junto a um banco japonês, seria destinado ao saneamento básico nos municípios que fazem parte da Bacia do Vale do Rio do Peixe. Há outra duas motivações para a origem do artigo, além da preocupação principal. Uma foi a declaração do professor Dr. Joviles Trevisol de que, através de um Curso de Extensão, a Universidade oportunizaria aos interessados um curso que “dará condições pedagógicas e científicas aos professores da região para atuarem como agentes de sustentabilidade socioambiental nos diferentes espaços profissionais da sociedade”. A outra declaração foi a do professor Adgar Bittencourt, Coordenador do Comitê da Bacia do Rio do Peixe, de que, do Fórum sairiam dois projetos: repovoamento de espécimes de peixes e reflorestamento da mata ciliar. Como a primeira promessa, a do Governador, não se cumpriu, ainda; e a segundo, a realização do Curso de Extensão, está em andamento, há uma luz no fim do túnel, já que, quanto mais gente conscientizada e preparada para a defesa da qualidade ambiental, mais possibilidades existirão para as cobranças de promessas não cumpridas. Aguarda-se, também, que o dito repovoamento e o reflorestamento possam sair do papel, ou melhor, da Carta do Rio do Peixe, já que, até agora, se está acontecendo ou já aconteceu, ninguém viu, ninguém leu. Por outro lado, o artigo visa também chamar a atenção das autoridades, e de forma mais contundente, para o mais grave problema de todos, e que vem acontecendo há muitos anos: a inaceitável e perigosa carga poluente de residuais químicos que está sendo despejada no lençol freático da região e, por extensão, conseqüentemente, atingindo toda a população que se abastece das águas do Rio do Peixe. Esses resíduos, entre os quais o Nitrato, originário do Nitrito, um dos principais componentes das rações animais, são altamente prejudiciais à saúde e a presença deles na água, em alto grau, pode representar sérios riscos, com o aparecimento de uma série de graves doenças, inclusive o câncer. Por fim, o artigo tem a finalidade ainda de estimular, não só os questionamentos, mas a produção de materiais educativos voltados para os interesses e necessidades dos gestores ambientais, e que sirvam para promover e projetar as ações afins que são realizadas com base nas ações promovidas pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio do Peixe.

Palavras-Chave: Rio do Peixe, Bacia Hídrica, Água, Poluição, Produtos Químicos.

Bacia hidrográfica é uma unidade territorial que se destina a implantação da Política Nacional de Recursos Hídricos; e a gestão desses recursos hídricos deve ser descentralizada, contando com a participação do poder público, dos usuários e das comunidades, conforme preconiza (Brasil, 1997; Deluque, 2002). As suas diretrizes gerais baseiam-se na gestão sistemática, com vistas a qualidade e a quantidade, tendo por norte as diversidades físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais da região. Como se sabe, o direito de uso dos recursos hídricos é assegurado, por lei, através de outorga, a fim que se obtenha o controle da quantidade e da qualidade do produto destinado a captação e que faz parte de uma parcela existente em um curso de água para consumo, como abastecimento público ou como insumo para processos produtivos. Mas, o sucesso de uma política racional de recursos hídricos depende muito de conhecimentos científicos e tecnológicos, além de capacidade de formar e treinar pessoas, nos mais diferentes níveis, que possam defender os interesses de todos, com base na lei das águas. É evidente, porém, que o senso crítico e observador dos representantes das comunidades mais próximas dos cursos d água, mesmo que não especializados nas ciências afins, é altamente positivo porque ele contribui para que haja discussões em torno do tema, e essas discussões, por sua vez, geram iniciativas que, quase sempre, resultam em ações concretas.
O desorientado crescimento das cidades, há tempo compromete a preservação do meio ambiente, e os primeiros a sofrerem as conseqüências diretas são os chamados rios urbanos, como é o caso do Rio do Peixe. Esse rio, desde a sua nascente, no município de Calmon, até a sua foz, no Rio Uruguai, em Piratuba, recebe uma pesada carga de poluentes, originária de nada menos do que treze cidades. Essa poluição urbana é gravada pelo fato de que o rio banha uma região de altíssima concentração de produção agrícola, baseada, essencialmente, na criação de aves e suínos, cujos dejetos são altamente poluidores, haja vista a elevada concentração de componentes químicos presentes nas rações industrializadas que são a base da alimentação desses animais.

As agressões ambientais, entre as quais as praticadas contra o Rio do Peixe, dentre outros problemas, comprometem a qualidade de vida dos habitantes, e a constatação dessa realidade está nos indicadores sociais e econômicos, observados em trabalhos científicos recentes, entre os quais alguns que mostram as intervenções realizadas na Bacia do Rio do Peixe nos últimos tempos. Esses estudos, mesmo para os leigos, e observados sob à luz de duas áreas de conhecimentos importantes, como a Engenharia Ambiental e da Hidrologia, não deixam dúvidas sobre a urgente necessidade de se ter um olhar atento para o que acontece no dia-a-dia desse importante rio, e mais do que isso: é preciso, não só cobrar atitudes governamentais, como também participar diretamente de gestões integradas que possam contribuir para amenizar ou, até mesmo, eliminar a poluição ambiental que atinge essa Bacia. Independente de ações técnicas mais especializadas, as quais demandam estudos aprofundados, permanentes e consistentes, há que se agir rapidamente, e também de forma permanente, para minimizar, ao máximo possível, os impactos ambientais negativos que atingem a todos, através da gradativa busca de condições originais da bacia, onde for possível, levando-se em consideração os traçados do rio e valorizando, ao máximo, os seus aspectos naturais. É notória a necessidade, urgente, de se evitar a ocupação de faixas marginais; recompor a mata ciliar e preservar a vegetação dos mananciais e das encostas, e faz-se necessário, ainda, cobrar, seriamente, das instâncias governamentais, o uso adequado de recursos financeiros destinados às questões ambientais e o rígido cumprimento da legislação ambiental, através de um elaborado plano de gerenciamento integrado da bacia, destacando a participação efetiva das comunidades envolvidas nesse processo.

Em um passado não muito distante, quando o escritório regional da FATMA-Fundação de Amparo e Tecnologia do Meio Ambiente, sediado em Joaçaba, tinha sob sua direção a engenheira ambiental Elfride Anrain Lindner, foi possível se constatar, claramente, uma ação de governo eficiente na busca da melhoria ambiental regional, notadamente com relação aos aspectos negativos, mais visíveis, que se abatiam sobre o Rio do Peixe, e que tinha, e ainda tem, outras duas agravantes: ora o excesso de precipitação, ora a escassez de precipitação; não havendo, portanto, a regularidade desejada. Aliás, no resumo de sua tese de Doutorado, em 2007, intitulada “ESTUDO DE EVENTOS HIDROLÓGICOS EXTREMOS NA BACIA DO RIO DO PEIXE – SC COM APLICAÇÃO DE ÍNDICE DE UMIDADE DESENVOLVIDO A PARTIR DO TANK MODEL”, do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Santa Catarina, Elfrid frisa que “A Bacia Rio do Peixe, no Meio-Oeste do Estado de Santa Catarina, sofre de desastres naturais, causados pelo excesso e pela escassez de precipitação”.

Quando foi Diretora Regional da FATMA, em Joaçaba, Elfrid fez com que o órgão tivesse atuação firme no sentido de cumprir, ao máximo possível, o que a legislação previa à época, exigindo do setor produtivo poluidor, localizado às margens do rio, investimentos necessários para que se pudesse reduzir, ao máximo possível, a carga poluidora que, praticamente, estava matando o Rio do Peixe. Essa ação governamental, que não se resumiu apenas a punir com multa os poluidores, o que também não deixou de acontecer, refletiu muito na conscientização das comunidades ribeirinhas, as quais passaram a ter posturas mais criticas com relação às empresas poluidoras e até mesmo com as suas próprias ações. Diante dessa atitude firme do Estado, houve, também, por parte do setor produtivo, notadamente as grandes empresas industriais, localizadas ao longo das margens do rio, desde Caçador até Piratuba, uma conscientização de que era possível reduzir a carga poluidora com investimentos financeiros que, no futuro, seriam revertidos sob forma de ganhos ambientais que teriam reflexos positivos para os negócios das empresas em âmbitos nacionais e internacionais, o que, em conseqüência, redundariam em retornos financeiros que compensariam o que, a principio, lhes pareciam pesados custos.

A atuação de Elfrid Lindner, em duas áreas distintas; uma como ex-Diretora de um órgão governamental, crido para sistematizar, gerenciar e fiscalizar possíveis degradações ambientais; e a outra, como acadêmica, com um trabalho essencialmente técnico, motivado, principalmente, pela preocupação da redução ou excesso de precipitações pluviométricas na região do principal rio do Meio Oeste Catarinense, foi, e continua sendo, de fundamental importância para a compreensão, mais abrangente, da nossa realidade hídrica. Porém, em ambos os casos, a pesquisadora passou ao largo de outro problema, que no nosso entender, é um dos mais sérios e preocupantes: a grande quantidade de produtos químicos, originários da avicultura e suinocultura, que está sendo absorvida pelo lençol freático regional, e sobre o qual daremos ênfase nessa abordagem.

Há uma estimativa de que a quantidade de água que existe no planeta é a mesma desde a Pré-História. Porém, como é fácil constatar, a população do mundo cresce aceleradamente a cada dia, o que, obviamente, aumenta acentuadamente o consumo de água e, além disso, o próprio utilizador desse precioso bem é o responsável pela sua constante degradação, provocando, inclusive, alterações no ciclo hidrológico. A principio, fica claro que a terra tem um potencial hídrico muito além das necessidades da população, em termos gerais, mas a disponibilidade da água, no tempo e no espaço, e o evidente desordenamento da ocupação e fixação do homem no planeta, faz com que haja um sério comprometimento sobre a existência e a qualidade da água a ser captada no futuro, haja vista que já nos dias atuais não é de todo estranho se ouvir falar em “crise da água”.

A concentração populacional em torno das águas é biológica, estratégica e inevitável, e a geografia mostra que há uma população reduzida onde há uma acentuada escassez de recursos hídricos, como os conhecidos desertos, principalmente no Oriente Médio. Onde há abundância de água, e consequentemente terras férteis, flora e fauna, existem concentrações habitacionais expressivas. (Oliveira, 1998). Equivocadamente tida como um bem natural, que está à disposição para atender às necessidades do homem, e que é uma fonte renovável de potencial infinito, a água acaba sendo utilizada também como fonte de despejo de dejetos, sem se falar no alto grau de desperdício (Saito, 2001a). Hoje, segundo um estudo da Agência Nacional das Águas, calcula-se que, em média, 20% da população do mundo, algo em torno de quase um bilhão e meio de habitantes, esteja tendo dificuldade para ter acesso a água, e ainda com o fator agravante de que o saneamento básico não está a disposição para aproximadamente três bilhões de pessoas. (ANA, 2003).

A queda da qualidade e da quantidade da água, pode-se dizer que é uma crise devidamente anunciada, seja aqui no Vale do Rio do Peixe ou nos paises da África, e está baseada em negligentes e absurdas gestões ambientais. À exemplo do que ocorre em outras regiões, no Brasil ou em outros países, no Vale do Rio do Peixe a captação de água, o despejo de efluentes, a ocupação indevida das margens e a derrubada das matas ciliares resultaram em alarmante redução da qualidade e disponibilidade de água. Aliás, no plano mundial, estudos das Nações Unidas indicam que, em breve, mais de dois bilhões de pessoas poderão não ter água em quantidade e qualidade suficientes para a sobrevivência, como observou, em discurso na ONU, o ex-Secretaria Geral Kofi Annan: “Se o desperdício atual continuar, em vinte anos, duas pessoas em cada três sofrerão efeitos da escassez de água”.

Na atualidade, quando se enaltecem os avanços e as conquistas da chamada globalização, o desenvolvimento sustentável pode ser a resposta positiva para a ruptura de uma lógica de modernidade, o que quebra, de certa forma, alguns paradigmas existentes, e faz com que haja a compreensão do crescimento produtivo equilibrado com o meio ambiente, tornando a água um bem não negociável, não sujeito ao comércio e ao lucro, mas sim como fonte natural de benefícios. Nesse sentido a Lei n.º 9.433/97, da Política Nacional de recursos Hídricos, prega que a água é um bem de domínio público, e dispensa de outorga e de cobrança as captações, derivações e emissões consideradas insignificantes. (2005, p. 249).

Os planos de gestões hídricas, estimulados a partir de orientações técnicas e políticas governamentais, porém, devem ser mais esmiuçados, estudados, entendidos, alterados e até rejeitados pelos setores organizados da sociedade. A maioria desses planos foi gerada no bojo de uma estrutura governamental política-ideológica externa, e que tem na premissa da iniciativa privada o objetivo final; logo os meios para chegar a esse intento podem justificar algumas nuances que ocasionam prejuízos incalculáveis do ponto de vista estratégico ecológico. A privatização das águas pode ser uma dessas conseqüências, hoje já realidade em diversos países, inclusive da América do Sul, já que em alguns deles os grandes lençóis se tornaram propriedade privada de grupos estrangeiros, como é o caso do Chile, que “vendeu” suas águas para a britânica Thames Watter.

A privatização das águas no Chile é tão alarmante que até a Igreja está horrorizada, a ponto de propor, em documentos oficiais, que haja uma “visão ético-religiosa da questão do meio ambiente, questionando duramente o modelo econômico que permite a venda de recursos naturais, entre os quais, a água”. O padre brasileiro, Leonardo Boff, fundador da Teologia da Libertação, ficou chocado com o que viu e leu no vizinho país: “Fiquei escandalizado quando li o texto da legislação que regulamenta o uso das águas neste país. Existe um impulso de privatização muito forte", denunciou Boff, numa entrevista coletiva realizada em Santiago do Chile.

O espanto do “padre nosso” sobre a privatização das águas será tema de um outro artigo, já que nesse, o objetivo principal é chamar a atenção para o que se considera muito mais grave ainda: a contaminação de nossas fontes naturais por resíduos de produtos químicos. E a minha preocupação com tema se acentuou a partir do momento em que nas discussões do I Fórum de Revitalização do Rio do Peixe, e na abordagem do Governador sobre investimentos na área ambiental na região, não se tocou na questão dos poluentes mais graves, como é o caso do Nitrato. Estudos conceituados, em todo o mundo, demonstram, claramente, os gravíssimos danos que são causados ao meio ambiente pelos derivados do Nitrato, como o Nitrito, por exemplo. Esse componente químico que está presente nas rações, e indiretamente é utilizado em grande escala por todo o processo produtivo agroindustrial, principalmente na produção de aves e suínos, pode acarretar danos irreversíveis à saúde humana, além de catastróficos reflexos negativos à economia regional, hoje praticamente baseada na avicultura e suinocultura.

O composto concentrado de Nitrito, presente em adubos e rações, é depositado no solo através das fezes de aves e suínos, e as águas das chuvas se encarregam de levá-las para os lagos e rios, e até mesmo para os lençóis freáticos mais preservados e profundos, como é o caso do Acquífero Guarani, que na região tem algumas fendas “desprotegidas”, que podem ser o canal de entrada da temível contaminação. O alto teor de nitrito nas águas pode causar uma doença câncer, o que tem motivado inúmeras discussões, nas áreas médicas, e muitas preocupações nas áreas política e econômica dos governos. Sabe-se que no estômago, nitritos podem ser convertidos em nitrosaminas [(CH3)N-NO], que são substâncias potencialmente cancerígenas, e esses compostos de N-nitroso podem aumentar o risco de câncer de estômago e também para alguns outros tipos de câncer, como do cólon, segundo estudos do World Cancer Research Fund. American Instituto for Cancer Research. (Cured and smoked foods. In: Food, nutrition and the prevention of cancer: a global perspective. Washington: American Institute for Cancer Research; 1997. )

Desde o reconhecimento dessa realidade, ou seja, do poder carcinogênico das nitrosaminas, as indústrias e os governos vêem enfrentando permanentes dilemas, pois de um lado está a preocupação com a saúde pública; e, do outro, a grande temeridade de um desastre ambiental de tal gravidade, que poderá representar o colapso econômico de toda uma região, o que pode não estar muito longe de acontecer em se tratando, principalmente, de Vale do Rio do Peixe. Nessa região, mesmo sem um estudo mais aprofundado e científico (o que, aliás, as universidades regionais já estão nos devendo há tempo), e apenas na observação leiga, mas, mais aguçada, é possível detectar de que temos por aqui, com certeza, na proporção, umas das maiores concentrações de criação e produção de aves e suínos do mundo, o que, evidentemente, por si só, já gera uma preocupações. Vale ressaltar, a título de observação, que na Europa, por exemplo, o controle com relação a área destinada a criação de aves e suínos e o número de animais permitido por hectare é de extrema rigidez, e o motivo não é outro, se não a preocupação com a qualidade ambiental e a saúde, é claro. Observa-se, ainda, e também sob o aspecto leigo, e sem dados científicos oficiais, (e nesse aspecto também pecam gravemente as nossas instituições de ensino superior já que não há um estudo, sequer, a respeito do assunto), de que é grande, para não se dizer até alarmante, o número de casos de câncer que se tem conhecimento, e na sua maioria, localizados no intestino, esôfago e estomago, o que desperta a preocupação e a atenção até mesmo de quem é leigo.

* João Paulo Dantas é jornalista (DRT MT/MT 239 JP), Apresentador e Produtor de Televisão e escritor (Autor dos livros Besta Fera Capitalista, e Joaçaba, Samba. (E Faz Escola), Desde 1930. (A ser lançado em breve);

sexta-feira, 3 de abril de 2009

BOCÓ POR BOCÓ, FICO COM O BOCÓ DE CASA QUE É MELHOR.

Eu acho muito engraçado essa história de “mercado”. “Ele”, do alto de sua sapiência, tem a eloqüência de prever crise. E não falta, jamais, quem logo avise aos jornais. E dá-lhe reprise. A notícia, com toda a malícia, é transformada em manchete, e nos remete a um bocó qualquer de plantão, que de antemão tem interesse maior: aquele do quanto pior; melhor. E os jornalistas, bocós metidos a intelectualistas, e desatentos, saem a propagar a “informação” aos quatro ventos, porque os bocós leitores não sambem que não existem mais do que cinco “agências noticiosas” para de formas maldosas, abastecerem o mundo-trono, e todas de um só dono: o Jacó,um “judeu branco de olhos azuis”, esperto que sabe que o mundo ta cheio de bocó. Jesus !

O último “surto” do “mercado” foi chamado de “marolinha”, e a bem da verdade, com toda propriedade pelo Bocó nosso da terrinha. O bocó caseiro, bem matreiro, e a la mineiro, foi o primeiro a abrir os “olhos azuis” de outros bocós do mundo inteiro. Para dar dinheiro para o nada bocó banqueiro, o patrício-mór, mais que ligeiro, e antes que o bocó do Obama fosse ungido, assaltou do cofre falido bilhões sem fundos, e como diz o Requião, “apenas pintados de verde-imundos) e fez a festa dos “acionistas” de ficção.

Credo em cruz, como são otários esses americanos. Há anos são iludidos por meia dúzia de judeus espertos de “olhos azuis (o que é uma redundância, já que não há um que não tenha essa semelhança; não do azul dos olhos mas da esperteza da ganância). Agora, na hora que a hegemonia do domínio econômico-financeiro judeu sifu...deu-se a quebraria na esteira da eleição de um negro, bocó e de origem não-judia.

A maracutaia financeira sem fim funcionou, duramente a vida inteira, assim: o banco do “patrício” fazia um “sacrifício” de hipoteca que valia uma merreca de cem e a repassava para o “brimo” por cento e cinquenta para ele ganhar também nessa loteca. E nesse vai-e-vem de enganação e afronta, quando retornava a conta, a dívida já era de um milhão, após ter feito a grande viagem por meia dúzia de bancos dos “brimos” parceiros da picaretagem. E aí, começava de novo a malandragem da hipoteca fria, e os bocós das Bolsas dá-lhe comprar ação que não existia. Agora a realidade: os bocós da Nasdaq sofreram ataque do coração quando descobriram que, na verdade, eles nunca tiveram um tostão na maleta, e para se vingarem querem matar o planeta, com a bomba-atômica da crise de proveta. Mais ou menos como os americanos indecentes fizeram com os filhos do sol nascente.Os nihongos atacaram uma base militar (alvo legítimo a se atacar em uma guerra, no mar ou em terra, segundo Genebra). Aí, de quebra, os yankes disseram: aé, tá bom, amarelos, vamos em frente. E foram lá no Nihon e jogaram de uma só vez duas bombas cogumelos, matando uma legião de japonês inocentes. Quase setenta anos após o tormento da atrocidade do ato desumano e barbaresco, nós não lemos uma notícia sequer sobre julgamento de um americano por crime contra a humanidade. É, mano, Nuremberg “no dos outros” é refresco !

Ah, e que não me venham com esse papo de racismo ou anti-semitismo, não. Porque a ladainha desse sermão só tem contribuído para calar mais na cruz o bocó oprimido, deixando encoberto os bônus dos sofridos ônus dos bocós planetários, desde os tempos dos espertos “olhos azuis” dos templários.

MAIORIDADE PENAL: NO STF O JUIZO FINAL

Como a maioria da população, que vê, na televisão, e lê, bem pouco, no jornal, a discussão sobre a “maioridade penal”, sou também um leigo, meigo, juridicamente falando; o que não quer dizer que sou otário, como se diz no berçário dos marginais, em nome dos quais as nossas “autoridades”, poços de honestidades, estão propondo mudanças para reduzir a idade penal.

Bagagem sobre o tema pra mim não é problema, mesmo com a falta de erudição, e a minha aprendizagem, o que é uma vantagem, vem da vivência, e da experiência da saturação, de tanta imagem, reportagem e malandragem nos meio de comunicação. E a motivação da abordagem foi uma indagação que me foi feita por um jurista, que abordaria, naquele dia, o assunto em um programa de televisão. E a pergunta principal era se sou contra ou a favor da redução da idade penal. Como não era o momento, e não havia tempo a contento para lhe expor meu pensamento, até bem contextualizado, modestamente, fiquei com a pauta em mente, e depois de ter assistido, atentamente, ao programa na tv, não resisti à tentação de, pelo menos, tentar responder, o que não foi respondido, por inquisidor e inquirido. E também por não ter lido, ou ouvido, algum posicionamento consistente, e contundentemente significativo, e que mereça valor, seja contra ou a favor, assinado por um jurista ou pelo órgão representativo. Aliás, digo mais: em se tratando de posição, contrária ou favorável, há na OAB, se a memória não me engana, uma leviana, inexplicável e temerária abundancia de ausência de opinião, o que quer dizer, na verdade, é que existe uma presença constante de omissão.

Os defensores da redução da idade penal, senhores da superficialidade legal, a justifica com argumento, que em qualquer julgamento, a bem da verdade, até o mais leigo dos leigos não encontraria dificuldade para derrubar o intento. Os que defendem a idéia, difundem a panacéia de que essas ações já foram adotadas em quase todas as nações, e que o posicionamento nesse direcionamento evitaria que o menor fosse utilizado pelo crime organizado, e até estudo no Congresso Nacional já existe para ser aprovado. Para alterarem a inimputabilidade, prevista na Constituição, querem, então, criar uma especificidade para uma nova legitimidade, em que o menor possa, sim, ser julgado e enquadrado em um limite menor de idade. Aliás, santa e providencial lembrança constitucional, que tem aval dos nobres, valorosos e atentos Senadores e Deputados, defensores declarados dessas iniciativas. Só que se esquecem de alguns dados, por muitos deles votados em recentes passados: as limitações das cláusulas impeditivas. São aquelas que têm um nome solene, que nem vou arriscar aqui a escrever, porque não vou saber, e aí a gozação hiberna. (ah, lembrei! Cláusulas Pétreas, tipo assim coisa perene, para sempre, eterna). Mas que, em resumo, é supra sumo do Artigo 60, (ah, agora me agüenta), que tem quatro tópicos essenciais: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos poderes; e os direitos e garantias individuais.

Essas essências legais, jamais admitem, sequer, referências a atos inconstitucionais; logo ou se rasga a Constituição, ou então, cria-se uma nova, e nela desova a ninhada da mudança, e dá-lhe cadeia até mesmo para criança, mas se tendo na mente bem clara uma lembrança: o arrependimento é a arma da vingança.

A discussão, em si, encerra-se aqui, mas é bom lembrar, só pra refrescar, e esquecer a preguiça, que é moda: a ONU já inventou a roda. Pesquisa, antiga, abriga prova que comprova que raríssimas são as nações, cujas Constituições deixam como heranças tais tristes legados para as suas crianças. Os que assim agem, retroagem à idade média; uma tragédia humana dos tempos modernos, só encontrada em infernos na terra, como Índia, Marrocos, Haiti, Estados Unidos e Inglaterra. Sim, os dois mais “civilizados” do mundo também cometem o imundo desrespeito ao direito, não só das crianças; mas de todos que têm desesperanças e desenganos, como os imigrantes; em especial os árabes mulçumanos, (se é que existe algum árabe que não o seja).

Ah, e para complementar, e contextualizar com dados reconhecidos internacionalmente, portanto, competente: a ONU diz textualmente que apenas 11 por cento dos crimes, em todo o mundo, são oriundos da juventude, e que aqui no nosso quintal, essa atitude tem a média de 10 por cento, ou seja, dentro do padrão mundial, e com um detalhe a mais, de que as condições, materiais e sociais, que os americanos e os ingleses dão às suas crianças, não têm as mínimas semelhanças com as da nossa nação, e que no Japão, (que desalento!) onde não falta atenção, material e social, o índice criminal das crianças é de 42 por cento.

JOAÇABA, TUPI OUR NOT TUPI ?

Em atendimento aos vários questionamentos que por email me foram enviados, motivados pelo dilema Joaçaba, (de que a versão do nome, na verdade, está errada), resolvi dar uma retomada ao tema, mesmo que seja para continuar o problema. E, inicialmente, registro, parcialmente, o que me disse um leitor, num tom meio gozador: “Tá bom, Yury Rom, após mais ded 90 anos, você quer desfazer os enganos? No mês do aniversário da gente, isso é presente de grego, não? E se o nome não é Tupi, é o que, então, diz ai, vivente? “

Pois é, se é presente de grego eu não sei, e nem sei de onde veio essa invenção, mas Tupi, com certeza, não é não, e nem Nheengatu, o chamado Tupi moderno, dialeto fraterno e predileto dos missionários, visionários da evangelização para facilitar-lhes a comunicação.

Para ajudar quem não tem lá muita vontade, ou intimidade com o dicionário e a Internet (a atual grande vedete do atalho da velocidade), vou resumir a Wikipédia, a enciclopédia virtual da facilidade.

O Tupi, apesar de distinto, é um idioma extinto, assim como o latim, e a sua rica gramática, bastante emblemática,foi muito estudada pelo jesuíta tupiniquim, que fez dela entretenimento, já que não tinha muito o que fazer por aqui à época do descobrimento. Além de estudar o Tupi, o jesuíta facilita a comunicação, com formas de expressões mais intimistas, e cria as línguas Nheengatu e a Geral dos Sertões Paulistas.

A língua Tupi, em parte, é uma arte, constituída de raízes, com uma ou duas sílabas matrizes, e assim, portanto, ela encanta, já que CAA é mato, é planta; SOO é animal, (aliás, um capricho, já que em qualquer língua ZOO ou SOO é bicho); Y é água; Sy é (mãe); Aba é (homem); Yby é (Terra,); Oca é (Casa); Ita é (Pedra); Ruba é (Pai) e por aí vai.

O Tupi antigo é um idioma aglutinante, interessante, e não possui artigo (assim como o Latim). A língua não flexiona, em termos gerais, e tem cerca de trinta e um fonemas, doze vogais, dezesseis consoantes e três semi-vogais; e uma de suas características mais marcantes são seus ricos aspectos guturais.

Alguém quer saber mais? Faz assim: não liga pra mim, e vá de uma vez a fonte, um horizonte com mais etiqueta, que é o Dicionário de Tupi-Português, do padre José Anchieta.

TRAUMAS DE PACIENTES SÃO OSSOS DO OFÍCIO

A população da região, em geral a pobre, é claro, já está quase na UTI do atendimento médico-hospitalar, o que é muito grave. E o entrave, ao que parece, é mal generalizado e já quase sem cura, e disseminado em várias especialidades existentes, a julgar pelas reclamações dos, de fato, pacientes.

O termômetro que mede a temperatura, acumula queda brusca e ofusca a cura do mal, que estaria mais na ineficiência do quadro profissional do que, propriamente, na estrutura operacional, o que já configura uma emergência. E a bula confidencia sintomas automáticos: o calo maior está na ortopedia, área em que não são raros os casos sempre traumáticos. A maioria dos atendimentos é emergencial, feita sob grande pressão emocional e, muitas vezes, trata-se de acidentados, o que deixa vítimas, enfermeiras e os médicos, atordoados. Nessa condição, então, qualquer desatenção pela equipe de plantão, pode ser, erroneamente, vista como um atendimento não eficiente, e desagradar familiares e paciente.

A outra grande agonia é a Pediatria, onde há sérios dilemas, com situações extremas de gravidade, aumentando a diversidade de problemas enfrentados no dia-a-dia, por médicos e enfermeiras, o que os deixam à beira de um precipício, e o cumprimento do ofício torna-se um martírio, uma espécie de delírio coletivo que destrói o senso afetivo, tornando-os insensíveis diante da dor alheia, o que semeia insatisfações visíveis nessas situações.

Essas observações têm por base as constantes reclamações dos reféns do sistema público de saúde, que a cada dia mais desilude os pacientes, com ações incoerentes e desagradáveis, detestáveis e negligentes, já que o alto grau de insatisfação da clientela revela que o mal tem profundas raízes, matizes de uma histórica negligência, aliada a uma retórica incompetência generalizada.

A melhor medicação para a solução dessa realidade, como prevenção e necessidade, é o divã de um analista de qualidade, especialista em relações humanas, porque as ações desumanas grassam pelos corredores dos hospitais, com médicos e enfermeiros mais parecendo abatedores em plena atividade.

Linguismo (antes da nova ortografia....)

Anglicismos, galicismos ou quaisquer "ismos" (até radicalismos, e outros abismos) não afligem a minha refeição de letrinha, por causa da origem da minha educação, que de berço já me deu uma mão. Então, sem qualquer espanto, me encanto com o mouse todo dia, pra dar bonjour, com alegria; e na hora de restartar, ligo o abajur da fantasia, e deleto da memória o que for off na história.

Nada contra, portando, aos tantos “ismos” abrasileirados, e que estão por aí espalhados, e os que também, tão bem, foram adaptados, ou mantiveram a sua originalidade, com ou sem tradução dos lingüistas de plantão. Pra mim tanto faz, ainda mais que, em qualquer que seja a singularidade, tenho uma tremenda dificuldade para escrevê-los corretamente, embora que, ultimamente, os meus acertos tenham sido mais freqüentes. Os coquetéis, há muito estão resolvidos, em que pese existirem os fiéis que preferem escrever Cocktails. Mas, aí já é demais, se bem que é até preferível encará-lo, do que optar pelo preto básico só pra tomar rabo de galo. É dose, assim também não. Logo, que fiquem com o galicismo da expressão.

Na linguagem livre há que se ter um certo tempero, embora, às vezes, contemplo algum exagero, como delivery, por exemplo. Para as pessoas que usam tal expressão tenho, de ante-mão, um diagnóstico: eles acreditam que “entrega em domicílio” é pernóstico. Então, não se trata de anglicismo ou galicismo, mas de puro modismo do falar, já que seria muito mais agradável apenas “entregar as compras em seu lar”.

Quer outra fluente expressão que incomoda, mas que entrou, literalmente, na onda da moda? Sale para a surrada promoção. Assim a loja não inova; enoja, e por certo não desova o produto da liquidação. Imagine e filosofe: as vitrines cobertas com papel de embrulho, e lá dentro um monte de bagulho com preços em off. É um horror, o maior terror na visão do cão; e todos, claro, preferem o velho e tradicional balcão. Não é por nada, não, mas a gente pensa que o tal do off é o mesmo dos aparelhos de gravação, e que a loja, na verdade, está desligada. Estabelecimento fechado não vende, e o lojista que não entende que as tais expressões toscas estão deixando sua loja às moscas, reclama da freguesia e diz que a economia vai mal. Bem feito, porque desse jeito ele não ganha o freguês, a não ser que volte a escrever o bom e velho português, e dê um stop no inglês.

A FÉ ESTÁ A MÍNGUA E EU SEM PAPAS NA LÍNGUA.

O recente ato inaugural do Monumento Frei Bruno, em Joaçaba, acaba sendo oportuno para uma rápida reflexão, sobre o fato, e sua significação, material e espiritual, e o próprio significado da religião; talvez, já que o Papa Bento 16 foi embora, embora que para a Rádio Catarinense (emissora regional), no Momento da Prece, parece que ele ainda não chegou, sequer, ao papado; coitado. È que João Paulo II, mesmo já há tempo do outro lado do mundo, na rádio, continua no ar, a orar, firme e forte, mesmo depois de sua morte; e ao meio dia, todos os dias, na hora do louvor, quando os ponteiros unem-se para dar graças ao Senhor, Sua Santidade, com serenidade e amor, reza para toda a cidade, para crentes e ateus, e mata-nos a saudade do salvador João de Deus.


Depois de mais de três anos da avalanche da visita oficial, e do total desmanche do aparato papal, físico e espiritual, vou falar do Pontífice, utilizando-me de artífice que, evidente, vai deixar muito católico descontente, já que está na contra-mão da ladainha da louvação atual.

O Papa é alemão, e aí já está o primeiro senão; claro, não pela nação, com quem nosso país tem ótima relação, e, principalmente, a nossa região. Mas lá, os católicos não têm a hegemonia da religião, e Sua Santidade, pelo aval da obviedade, não deveria ter sido a santa primeira opção, na hora de liberar a fumacinha branca pela cumeeira da máter congregação.

Desde o “temos Santidade”, apressado e não convincente, o povo ficou meio desconfiado e descontente, e com a pergunta em mente: por que essa escolha, assim, tão urgente? Não é mais como antigamente, quando a gente ficava de prontidão, a espera da lentidão eclesiástica que, depois de alimentar a tradição fantástica, vinha com a esperada novidade, para a geral felicidade: Habemus Papa !

De rígido guardião da Inquisição a santo protetor da Salvação, Bento 16 é, talvez, a pura fé em contradição: antes, um fechado Inquisidor, terror dos teóricos da libertação, agora um deslumbrado Papa com o aplauso da multidão. Galileu e Leonardo, passado e apogeu: pra eles Cardeal Ratzinger não morreu; só o Papa nele nasceu.

A Igreja de Roma, há muito, não soma, ou seja: perde fiéis e inverte os papéis da multiplicação, e expõe os viéis da divisão do tamanho do rebanho da salvação. A concorrência avança e, com devoção e esperança, alcança o impensável: uma rentável multidão dos “sem religião”, ávida por uma nova pregação.

Os protestantes que antes não eram ameaça, agora são; e os católicos, apostólicos, tentam, em vão, reconquistar o perdido cristão, só que com o mesmo velho e surrado sermão: irmão, a igreja habita em você! Então, por que essa babilônica instalação, e não uma canônica pobre, mas nobre na sua missão? Pergunta o coitado pagão, sob luz de vela no rancho a beira-chão.

Mesmo sendo a católica maior nação, o Brasil pra santificação não tem vocação, ou lhe falta devoção. Frei Bruno, agora, é uma opção, e já tem até estátua para aguardar a canonização. Ele era um santo e tanto, e tem crentes por todos os cantos, em diversas localidades, já que, segundo dizem, Frei Bruno dominava a bicorporeidade, estando em lugares diferentes, simultaneamente. Mas, voltando à realidade: Quinhentos anos a espera de um santo; é um espanto. Imagina, então, se o catolicismo aqui não fosse tanto? Mas, tem nada, não. No returno do milênio deve surgir um novo Frei Galvão, que pode ser Bruno. Até lá, então !

HOSPITAL UNIVERSITÁRIO: UMA ILHA DE INCOÊRENCIA.

Os doutores da medicina do ensino superior tinham um remédio infalível para curar a dor crônica hospitalar do Santa Terezinha: doação. Com isso sangues novos se misturariam aos suores antigos dos fundadores e o velho paciente, doente, rejuvenesceria, e daria mais vida a tanta gente, carente.

Diante do quadro clínico (ou cínico?) e do diagnóstico, prognóstico da mais alta cátedra, fez-se a transfusão imediata, sem nenhuma rejeição. Na bula (ou gula?) a precisa prescrição: uma nova construção seria a salvação para assegurar a ampliação; uma espécie de aspirina da evolução. Imagina, Santa Salvação! Ainda mais que a ele seria incorporada a Escola de Medicina. Uma dádiva divina, e prova de que a missão de frei Edgar ainda germina, e um novo horizonte se descortina, independente ou não de crermos na fonte de sua doutrina.

Não deu, e fala agora o ateu: Santa Enrolação! Restaram a pagão e devoto apenas a foto da enganação, já que a Universidade, em sua incrédula ingenuidade de heresia, (ou sabedoria?) gastando milhares, comprou as ruínas hospitalares da ilha da fantasia. A obra em questão, e semi-acabada, esteve embargada por anos e anos, por descumprir a legislação, localizando-se, justamente, em região totalmente inadequada a esse tipo de construção, por tratar-se de área de preservação.

O futuro hospital universitário, portanto, poderá ser construído em local precário, o que não deixa de ser um erro primário, e muito temerário. E mais: a região, sensível à poluição, é espremida entre dois rios importantes, figurantes entre as constantes preocupações ambientais. Só por esses fatores, não precisaríamos ser doutores para fazermos um questionamento sobre a seriedade deste empreendimento da Universidade, já que, além de não ter capacidade de cumprir o compromisso com quem lhe fez a doação, de antemão não se ateve ao planejamento e direcionamento de seu próprio Conselho de Gestão, tantas vezes cantado e decantado em nome da organização, e tantas e tantas vezes totalmente descartado quando do surgimento de interesses de ocasião.

A atitude agora fica mais questionável, e inexplicável, já que baseada em outra área comprada, localizada, justamente, na região onde a instituição tem a sua Área de Saúde, pergunta-se: onde está a virtude? Empreendimento dessa magnitude causa estranhamento e desilude quem esperava discernimento de uma administração que gerencia os bens que pertencem à população.

O prédio comprado para ser transformado em Hospital, bem o mal, foi planejado para ser referência em cardiologia, e sua preferência e primazia seria para um atendimento particular e nobre, logo sem a obrigatória deferência ao atendimento à população mais pobre. Um Hospital Universitário, ao contrário, tem outro diferencial, que é atender pacientes do sistema único; universal. Isso significa dizer que, além de fazer um elevado investimento para comprar o empreendimento, numa região nobre da cidade, a Universidade terá que adequar a obra à sua finalidade, o que implica em “redesenhá-la”, na verdade, transformando os outrora previstos luxuosos apartamentos, em minúsculos “apertamentos” coletivos, para atendimentos massificados e não seletivos.


Não bastassem esses equívocos, inequívocos, há ainda outro fator negativo, e nocivo, a ser analisado: o Hospital ficará instalado aos fundos de um abatedouro, morredouro de suínos 24 horas por dia, e para tanto, eu até me espanto com tanta gritaria; de porco e de gente, e ainda mais, justamente, no período da noite, quando, ao que parece, aumenta o açoite por lá, e a porcada grita, e os funcionários idem, e os berros agridem até os ouvidos de Alah, que peca por essa herança, deixando por conta de Meca a salvação do inspetor da matança. Aliás, aqui faço meu próprio aparte, arte que junto pra falar de outro assunto: (a alta Direção da Perdigão deveria baixar a determinação de que os gerentes locais, jamais, morassem longe da empresa. Aí, com certeza, a tática do “tangimento” da manada mudaria da noite pro dia, já que nenhum deles dormiria com tamanho zoada).

Então, de antemão, sabe-se que o silêncio angelical, tão ensejado por médico e paciente, é evidente, não será um dos fortes do futuro Hospital. Mas esse, afinal, acredita-se, é o aspecto menos mal, diante de tanta malesa inicial dessa sórdida ilha de incoerência, filha pródiga da prepotência da administração da nossa pretensa mãe educacional.

A LIÇÃO DO SABER QUE AINDA NÃO APRENDEU A FAZER ESCOLA

Um despertar lento, mesmo para quem é observador atento das práticas sociais, educativas, culturais e educacionais. Como expectador privilegiado do universo do Carnaval, é natural o meu estranhamento quanto ao não aproveitamento, urgente, da torrente de saber e conhecimento, que jorra pelos leitos das quadras e dos barracões, onde as malesas, às vezes, parecem até que são frutos das tradições.

O Carnaval é um manancial inesgotável, portanto renovável, e diferente da escola regular, além de oferecer todo os elementos básicos do ensino curricular, oportuniza atratividades lúdicas que aliam prazer, lazer e convívio social e familiar.

O ensino regular e oficial da atualidade, já há tempo carente de novo referencial, sem uma perspectiva para um futuro melhor, se torna pior, na realidade. E ao não adotar as práticas propostas por Freire, para um salto significativo de qualidade, despreza conhecimentos passados de geração a geração, movidos pelos sentimentos de preservação das raízes, matizes da identidade que foram transplantadas com a fé dos terreiros de Candomblé, dos confins da África-Mãe, para as senzalas das escravidões, e dessas para as quadras e barracões. Assim, as escolas convencionais, tradicionais, deixam de aproveitar um inesgotável horizonte, fonte rentável para a ruptura de paradigmas, enigmas que podem representar novas graças na formação de jovens e crianças, esperanças, principalmente, para as áreas sociais de enorme pobreza, e onde, em geral, para a nossa tristeza, acontecem as maiores desgraças.

Há um certo descaso, e atraso oficial, para com as atividades das Escolas de Samba, e até mesmo as demandas sociais, as mais evidentes, não têm dotação nos orçamentos Municipais, o que não deixa de ser uma falha grave, e um entrave para a melhoria da educação. Essas atividades já ocorrem normalmente, e geralmente, com um sucesso natural; expresso no brilho das alegorias nos dias de Carnaval. Portanto, não precisaria tanto, e apenas uma melhor sistematização e organização por parte do Município, que a princípio, deveria ser o primeiro interessado em ter o Carnaval como forte aliado no enredo da Educação, porque, se não, viveremos sempre o grande medo, de continuar perdendo os jovens para a marginalização.

Como acontece nos centros de excelência do Carnaval, a tendência, também nas Escolas de Samba de Joaçaba, é se ter um celeiro de arte, parte essencial na pedagogia atual. O acesso, absorção e projeção dessa interdisciplinaridade já deveriam ser uma realidade da municipalidade, e da própria Universidade, com base em um processo que se entrelace, e cujo resultado ultrapasse a mesmice da atualidade.

terça-feira, 31 de março de 2009

SAMBÓDROMO, JOAÇABA















“A criação de um sambódromo vai tirar o brilho da festa...”

A frase, entre parênteses, acima, é literal, e de aval e autoria de um defensor da idéia de, um dia, eternizar o carnaval no centro da cidade, uma panacéia que, na verdade, convenhamos que, em plena sanidade, é, no mínimo, falta de visão macro urbanística, realística, ou carência cultural de política-administrativa plural, restritiva e desagradável; o que não deixa de ser lamentável.

É fantasia, eu diria, pensar que, promocional, e emocionalmente, a manutenção da folia no centro da cidade é uma alegoria atraente, como defendem, principalmente, algumas “celebridades”. Entre os integrantes das escolas de samba, que são, de fato, os bambas, e junto à própria população, não há sequer um senão, e já é consenso, e intenso, de que serão inevitáveis mudanças radicais, sob pena de, em caso contrário, surgirem sinais temerários para a realização dos carnavais. É prudente, e urgente, portanto, que Joaçaba siga, já não sem tempo, alguns exemplos registrados e aprovados em outras cidades do país, inclusive na matriz, onde o carnaval tornou-se vultoso reflexo, oneroso e complexo, do ponto de vista organizacional.

O Rio de Janeiro é o exemplo primeiro, como berço e semente, do que, atualmente, aqui se discute, e que repercute como mudança, e futura herança inevitável, explicável até do ponto de vista da segurança, dada a complexidade da cidade, cujo centro comercial jamais fora pensado pra ser palco de carnaval. Lá pelos idos dos anos 70, era diferente, e tratando-se, apenas, da semente do batuque que germinava, era louvável, e elogiável que a representação visual e sonora da nova arte fizesse parte do principal centro populacional, e para tanto quanto mais próximo dela pudesse estar o carnaval melhor seria a repercussão e, logicamente, mais fácil a cooptação daqueles que se empolgassem com as batidas ancestrais dos tambores, nos louvores do enredo embrião.

Passados quase 30 anos, desde os primeiros gritos e apitos de Mestre Tulíbio, que Deus o tenha; e das primeiras rodadas e gingadas da inesquecível Maria dos Prazeres, cuja bandeira, pioneira, e seus afazeres, também devem estar nos terreiros dos céus; não é mais possível e admissível tais realidades; cruas e nuas, numa cidade, cuja infelicidade, é ter uma topografia arredia, e extremamente complexa, que alia uma convexa capacidade de escassez de ruas. É, talvez, romântico, e até semântico, o cântico interesseiro de ser o primeiro a defender a festa exprimida, na Avenida, por entre frestas de prédios comerciais, na esperança de que isso possa lhes render dividendos promocionais, quando o certo é tomar iniciativas para se encontrar alternativas visando a transferência do evento, com urgência, para um local adequado, porque carnaval com espaço apertado, torna-se inviável, e corre o risco, lamentável, de tornar-se, de novo, passado.

Adereços lingüísticos à parte, há que se destacar que Joaçaba tem competência na arte, mesmo abusando, às vezes, da imprudência e, até, da paciência dos mortais, não só nos dias de carnavais. Mas, no caso, e não por acaso, a vítima é a folia, que mesmo transbordando a todos de alegria, deixa rastros preocupantes, não só aos astros das fantasias, mas a todos os habitantes; católicos ou protestantes, já que fora das cordas, e paralelo às apresentações das agremiações carnavalescas, há um elo de hordas barbarescas, que parecem flocos, amontoados em blocos de insanidade, deixando um triste legado à cidade, à cultura, à civilidade, à educação, e por que não, à própria hospitalidade.

domingo, 29 de março de 2009

A VOZ DO PASSADO, NO PRESENTE, ECOA O FUTURO


“A história oral de vida é uma histórica pública para os ouvidos, espécie de carnavalização onde desaparece a diferença entre atores e espectadores, ou seja, entre sujeito e objeto”. (Mikchail Bakhtin).

Uma das vozes do passado que ecoa pelos barracões, e que não deve jamais deixar de ser ouvida, pela raridade e riqueza histórica, e que contextualiza a evolução das escolas de samba, entre elas a Vale Samba, é a da Porta-Bandeira Maria dos Prazeres Oliveira.

Negra e Mãe-de-Santo, Dona Maria dos Prazeres foi Rainha de Bateria, Porta-Bandeira e Baiana da Escola de Samba Unidos do Herval, e o seu legado para o carnaval de desfile de escolas de samba é precioso.

O pai de Dona Maria dos Prazeres, Manoel de Oliveira Nunes, originário da Bahia, foi um dos precursores da cultura negra e carnavalesca na região do Vale do Rio do Peixe. O pai da Porta-Bandeira trabalhou alguns anos no Rio de Janeiro com um dos mais importantes personagens do carnaval carioca: o Pai-de-Santo Mano Elói.

Mano Eloi, que era compositor, músico e intérprete, fundou três escolas de samba no Rio de Janeiro: Prazer da Serrinha, Deixa Malhar e Vai Como Pode, as quais originaram, posteriormente, Portela e Império Serrano.

Quando deixou o Rio de Janeiro, Manoel de Oliveira fixou residência em Herval d`Oeste, onde montou, ainda na década de 30, o primeiro Terreiro de Candomblé, chamado Casa Nova Era, que mais tarde deu origem ao Clube dos Negros. Confira, a seguir o depoimento de Dona Maria dos Prazeres.

Olha, de quando eu era menina, e das lembranças do que meu pai falava, dos tempos da casa Nova Era, que era lá pros lados da Coxilha, subindo por uma trilha que saia da rua São Paulo, eu lembro de alguns personagens que ajudaram a construir uma história interessante. Entre eles eu posso citar o Saulo Sapateiro; um sapateiro, boêmio, e que gostava de samba. E ele até fazia uns versinhos. Um deles, que eu me lembro bem, dizia: Eu nunca sonhei, sempre trabalhei, e foi assim que eu quis. Eu sou sapateiro, não tenho dinheiro, mas eu sou feliz. (cantando)

Tinha também o Lazinho, que gostava muito de cantoria, e estava sempre com o inseparável amigo Altemar. O Altemar, que gostava de tocar tambor, era um negro muito místico e festeiro, e falava sempre num tal de “sincopado de aquarela” e “civilização do legado”, que eu sei lá o que era. Mas, era muito engraçado. ( rindo)

Outro que eu me lembro era o Seu Mazurek. Era um polaco, que trabalhava de mascate. Ele tava sempre com o pessoal da batucada, e era muito sorridente. Todo mundo gostava dele. Ele, que naquela época já tinha talão de cheque, pra se exibir, pra qualquer coisa ele dizia: Mazukek assina cheque....! (rindo)

O meu pai falava também do seu Dendê, que era Pai-de-Santo, mas eu tenho pouca lembrança dele. E do seu Javé, que era um “preto velho”, abugrado; meio negro,meio índio. Os dois também gostavam muito de batucada e de samba. E outros tantos, de outros tempos, como o coronel Chiruca, o Lilico Galvão, e o Jacaré de Bronze. O coronel Chiruca, que andava sempre por aí, e tinha amizade com o pessoal da polícia, às vezes avisava o Seu Javé quando ia ter uma batida policial lá pros lados do terreiro. Então, essas pessoas, mesmo em épocas diferentes, tiveram muitas ligações com a Vila Operária, com a Estação Ferroviária, com os Terreiros e com o Carnaval”.

Com base nesse trecho do depoimento de Dona Maria dos Prazeres (que é parte de uma longa conversa de mais de duas horas, por mim gravada há muitos anos atrás), eu fiz um samba de enredo, que fará parte do Dvd que estará encartado no livro Joaçaba, Samba. E Faz Escola. Desde 1934, a ser lançado em breve. A letra e a melodia foram criadas também há muitos anos atrás e, propositalmente, num estilo dos sambas de enredos antigos. Confira a letra, e também os áudios do depoimento e do samba.

(Entre a rua...)

Entre a rua São Paulo e a Coxilha há uma trilha ...de um legado do passado, que tinha o seu próprio enredo....sem ser segredo, mas muito reservado.

Ali.....a “Nova Era”, era um local de encantaria, onde a batucada rompia a madrugada no ofício da magia. (da magia...!) No louvor estava Lazinho ... E com ele Altemar a cantar.... Batendo com fé o tambor, fazendo o terreiro dançar.

Rito antigo.....templo novo, Povo de outra religião, Seu Torquato Mazurek, Sorridente assina o cheque, Depois da celebração.

(Refrão) (bis)

Recordei, pensei, O que eu sempre quis, Paulo Homem, sapateiro, Sem dinheiro, foi feliz! (mas foi..)

Foi no terreiro de Maria dos Prazeres, Que os afazeres ....foram traçados, Viram o desfilar da imponente.... “Civilização do Legado”. E a Estação do Trem agora era, Um imaginário transformado, O Bairro Operário prospera; Impera um mundo novo encantado: Um “sincopado de aquarela”, mostra o futuro revelando o seu passado.

(Refrão) (bis)

Eu fui ver de perto a história bem vivida, e vi aberta a trajetória de uma vida.

Até então pensar que Joaçaba, avizinhada de festas típicas alemãs e italianas, tinha carnaval de desfile de escola de samba era, até certo ponto, desconcertante. Mas, como o presente só tem lógica se houver um olhar para o passado, nesse caso ele também é imprescindível, pois fica evidente que a semente que fecundou o fruto das escolas de samba de Joaçaba foi plantada no distante passado dos tempos Contestados, já que foi pelos trilhos do trem de ferro que chegaram os primeiros iniciados no batuque, cooptados pelos primórdios e tímidos terreiros de Candomblé.

Muitos dos integrantes dos blocos carnavalescos mais recentes, dos anos 50 e 60, que se intitulam precursores das escolas de samba, não têm noção de que eles próprios já eram frutos de um embrião carnavalesco bem mais antigo, transplantado para a região do Vale do Rio do Peixe por uma corrente que tinha fortes elos com a essência dos ingredientes básicos do carnaval: batuque e candomblé.

Esta linha histórica, mesmo que tênue, que faz o elo entre o berço das escolas de samba, o Rio de Janeiro, e o Vale do Rio do Peixe, tem uma expressiva contribuição cultural para Joaçaba, da mesma forma como foi a comprovada ligação cultural das escolas de samba cariocas com as raízes afro-religiosas do recôncavo baiano, através dos descendentes de escravos que migraram para a cidade maravilhosa.

O carnaval de desfile de escolas de samba de Joaçaba, portanto, é fruto de um embrião antigo, transplantado para essas terras ainda nos anos trinta por descendentes afros, originários dos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Santos e Bahia, e que vieram trabalhar na Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande do Sul. As sementes plantadas por esses batuqueiros ancestrais vingaram e as nossas escolas são frutos que hoje já ostentam uma forte raiz.

A INVENÇÃO DA SINOPSE FEZ O SAMBA DANÇAR


“A primeira coisa que esculhambou o samba-enredo foi um negócio chamado sinopse, que é um produto do carnavalesco”. (Nelson Sargento, sambista)

A construção de um enredo de desfile de escola de samba nasce de uma idéia básica, e a partir dela algumas iniciativas são colocadas em práticas, a começar por uma pesquisa sobre o assunto nos mais diferentes aspectos e depois disso é hora de se fazer um resumo da história que se pretende contar.

Existem diversas formas para se apresentar uma sinopse com o objetivo de passar as informações desejadas para os primeiros grupos que vão desenvolver o enredo. Na Vale Samba, por exemplo, a opção, ultimamente, antes de se produzir o desenvolvimento do enredo, através de um memorial descritivo, é criar uma sinopse poética, a qual poderá, inclusive, ajudar muito os compositores lá na frente, na hora de comporem o samba.

A frase lapidar de Nelson Sargento, transcrita acima em negrito, foi garimpada por uma amiga jornalista, Rosana Pinto, ex-coordenadora técnica de carnaval da Liga das Escolas de Samba de São Paulo. Hoje em dia, entretanto, o conceito expresso por Nelson Sargento não faz mais sentido, mas a exemplo do que aconteceu com a Rosa, a observação me chamou a atenção, porque eu sou um “fazedor” de sinopse.

O samba-enredo hoje, na verdade, para o desencanto de tradicionalistas, não é mais o carro-chefe do desfile, perdendo o seu status para dezenas de outras “inventividades” que dão mais vida ao espetáculo, na visão do carnavalesco. Diante dessa realidade, e presas a um regulamento rígido, as escolas obrigam-se a seguir uma espécie de “mapa regulatório” para desenvolverem as suas apresentações, e para isso a sinopse é peça importante, e acaba prevalecendo até para a criação do samba de enredo.

Portanto, com o surgimento do desfile-espetáculo, iniciado com o advento da Sapucaí, e do fenômeno Joãozinho Trinta, o samba de enredo deixou de ser aquela bela poesia de cartola, que podia se arrastar sonoramente pela Avenida, para se tornar uma marcha, quase que tecno-eletrônica, que sai em desabalada carreira para que a escola possa cumprir as suas eternas juras ao Deus Cronos. E ai, às vezes, dá no que deu !

... E ASSIM FOI, NAÇÃO AZUL E BRANCA !

A Vale Samba fez do desfile, a festa dos seus trinta anos de Avenida. Um desfile grandioso para comemorar as três décadas da escola de samba com o maior número de títulos do carnaval de Joaçaba. Foi uma apresentação aguardada com tanta ansiedade pela torcida da Vale Samba que deixou os dirigentes e os componentes com a emoção à flor da pele. O clima na concentração dava mostras da importância contida no enredo “África, Velha Matriz: a Vale é Samba...É Raça.....É Raiz”, uma alusão à fundação da azul e branco, a partir da influência africana no Brasil, com ênfase para o samba.

Na concentração, a apreensão estava expressa no rosto de Luiz Dorini, o destaque da primeira alegoria da escola, içado por um guincho até o esplendor de seis metros de largura e sete metros de altura. Desfilantes corriam até os seus setores e procuravam os coordenadores, enquanto uns sorriam, outros dançavam, e outros tantos rezavam. No deslocamento dos carros, pressa e atenção, e todo cuidado. O que ainda foi pouco, pois os maiores chegaram até a enroscar em fios de energia e barreiras das ruas que ficaram estreitas. Houve danos, mínimos, mas preocupantes, é claro, mas nada que tirasse o brilho do espetáculo. Desde o lançamento do enredo, os objetivos maiores eram as pessoas e as artes E a arte deveria estar em primeiro lugar, e arte que não vibre com células humanas, não é arte. É cópia fria da natureza; é traição fotográfica. A remoção dos carros exigia extremo cuidado, mas o cuidado maior era com os desfilantes das alas e com os destaques, que subiam por escadas até o topo das alegorias. O burburinho causado pela presença do ator global Aílton Graça (o Jacaré da novela As Três Irmãs), fez muita gente deixar seus postos para fotografar ao lado da celebridade. Quando a escola estava toda posicionada, foi a vez do ator sair de seu setor. Ailton ajudou a distribuir bandeiras da escola para o público, que, a essa altura, já delirava com a expectativa e vibrava com a simpatia do ator.

Em poucos minutos, a Avenida do Samba, que até então tinha se esverdeado para receber a Aliança, que acabava de passar, transformou-se num imenso mar azul, e as bandeiras tremulavam da concentração à dispersão. O Presidente Carlos Alberto “Preto” de Pelegrin, no microfone oficial, iniciou o chamamento aos mais de dois mil integrantes da Vale Samba, com uma frase curta e empolgante: “Vamos com garra, meu povo”. A multidão foi ao delírio, e se o espetáculo terminasse naquele momento, já teria valido o ingresso pago. Quando os acordes do samba e as vozes dos puxadores anunciaram a chegada da “onda azul”, Jorge Zamoner, carnavalesco da escola há trinta anos, se recolheu solitário aos pés de São Jorge (o Pai Ogum), apresentado logo atrás da Comissão de Frente. Ali, em silêncio, e certamente com o pensamento voltado à sua mãe, que ele tanto teme que possa lhe faltar justamente em um carnaval, pediu bênção, chorou e fez preces com os olhos voltados aos céus. Logo em seguida, porém, quando todos já cantavam “bate forte bateria, a festa vai começar”, o carnavalesco e o presidente extravasavam a tensão, demonstrando nos gestos, belíssimos sorrisos e emocionantes reverências ao público, a grande alegria de comemorarem na Avenida trinta anos de história de carnaval.

Na Comissão de Frente, homens sob a forma de guardiões africanos representavam na coreografia de passos firmes a Aiyê, a terra, símbolo do princípio de tudo para os povos primitivos africanos. A primeira alegoria pedia passagem com Olorum, Deus dos deuses africanos. Na seqüência, baianas carregadas de simbologias, chamavam a atenção para as origens afro-baianas do samba. Alegoria e alas seguintes mostraram a natureza, flora e fauna da África. O primeiro casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira, formado pelo dançarino, coreógrafo e professor Júlio Albeguini e pela dançaria e atriz Fernanda Zamoner, filha do carnavalesco, e que é Porta-Bandeira da escola desde criança, trajava fantasias luxuosas, e demonstrava total sincronia de movimentos. Os dois bailarinos, considerados um dos mais perfeitos pares de Mestre-Sala e Porta-Bandeira do Brasil, e que se apresentam juntos há nove anos, mereceram um “sem palavras” de uma das juradas do carnaval, nas observações das planilhas de julgamento, e nota dez de todos os quatro julgadores do quesito. Logo atrás do Casal, veio a Bateria, trajando as cores da escola, com os ritmistas simbolizando os Griôs (guerreiros e contadores de histórias) na mitologia africana. Com mais de cem componentes, sob o comando do Mestre César Farias, a Bateria detonou e fez o público explodir de emoção, e do começo ao fim do desfile, sem restrições, foi cooptando dez do corpo de jurados. Outras cinco Alas precederam a terceira Alegoria, onde um grupo de atores, do curso de artes cênicas da Universidade do Oeste de Santa Catarina, encenou, em passos e gestos, a travessia dos negros da liberdade à escravidão. A Alegoria seguinte, um tripé em forma de Totem, fez uma homenagem a uma das fundadoras, e representante maior dos negros dentro da escola: Dona Olívia dos Santos, que por muitos e muitos anos foi a Primeira Porta-Bandeira da Vale Samba, e hoje é destaque da Ala das Baianas. A quinta Alegoria mostrou elementos das diferentes manifestações, como o canto, a dança, a música, a religião e a culinária, legados dos descendentes de escravos. Na décima sétima Ala, destaque para as crianças, que se apresentaram como Filhos de Ghandi, uma alusão ao tradicional bloco do carnaval baiano. As Alas seguintes mostraram em coreografias, os ritmos que deram origem ao samba, como o maxixe, o lundu, a capoeira e o próprio samba, depois da projeção conquistada fora do Rio de Janeiro. E a atenção desse momento do desfile foi dirigida ao ator Aílton Graça, que deu show de ginga e carinho com a platéia. A sexta Alegoria lembrou nomes como Donga, Cartola e Pixinguinha, para exaltar o samba. A vigésima quarta e última Ala, foi a Velha Guarda, formada por alguns dos fundadores da escola, seguida por uma Alegoria que era uma composição tripla, destacando dos antigos carnavais de salão, com suas máscaras, confetes, serpentinas, pierrôs e colombinas, aos grandes desfiles das escolas de samba. A representação visual alegórica fez uma homenagem às escolas e a alguns personagens do candomblé e do carnaval do Vale do Rio do Peixe, como Mãe Pretinha, adepta do Tambor-de-Mina; Lazinho e Altemar, batuqueiros dos tempos do terreiro da Casa Nova Era; Dona Maria dos Prazeres, mãe-de-santo e porta-bandeira; Tupira, criador da primeira escola de samba de Herval d´Oeste; a Bando da Lua, e Mestre Tulíbio, pioneiro mestre de bateria do Vale do Rio do Peixe.

E, assim foi, Nação Azul e Branca. Ao final de sessenta e oito minutos, não restaram dúvidas: esse foi o melhor e maior aniversário da Vale Samba. E a vitória maior foi a emoção de se sentir tantas emoções.