segunda-feira, 2 de novembro de 2009

RIO DO PEIXE: FONTE DE PREOCUPAÇÕES

RESUMO.

O objetivo desse artigo, escrito por não especialistas da área, é o de chamar a atenção de todos que são preocupados com a degradação do meio ambiente na região, e para que se possa cobrar, mais sistematicamente, das autoridades competentes, o desenvolvimento de metodologias e ações de Educação Ambiental voltadas à instrumentalização e ao fortalecimento dos aparatos legais colocados à disposição do Comitê da Bacia do Vale do Rio do Peixe. O artigo foi motivado, primeiramente, em função da realização, em Joaçaba, há tempos atrás, do I Fórum de Revitalização do Rio do Peixe, promovido pela Universidade do Oeste de Santa Catarina, e do qual participaram importantes autoridades, entre as quais o Governador do Estado. O Governador, aliás, garantiu, no evento, que um expressivo percentual dos 300 milhões de dólares, levantados a título de empréstimo, junto a um banco japonês, seria destinado ao saneamento básico nos municípios que fazem parte da Bacia do Vale do Rio do Peixe. Há outra duas motivações para a origem do artigo, além da preocupação principal. Uma foi a declaração do professor Dr. Joviles Trevisol de que, através de um Curso de Extensão, a Universidade oportunizaria aos interessados um curso que “dará condições pedagógicas e científicas aos professores da região para atuarem como agentes de sustentabilidade socioambiental nos diferentes espaços profissionais da sociedade”. A outra declaração foi a do professor Adgar Bittencourt, Coordenador do Comitê da Bacia do Rio do Peixe, de que, do Fórum sairiam dois projetos: repovoamento de espécimes de peixes e reflorestamento da mata ciliar. Como a primeira promessa, a do Governador, não se cumpriu, ainda; e a segundo, a realização do Curso de Extensão, está em andamento, há uma luz no fim do túnel, já que, quanto mais gente conscientizada e preparada para a defesa da qualidade ambiental, mais possibilidades existirão para as cobranças de promessas não cumpridas. Aguarda-se, também, que o dito repovoamento e o reflorestamento possam sair do papel, ou melhor, da Carta do Rio do Peixe, já que, até agora, se está acontecendo ou já aconteceu, ninguém viu, ninguém leu. Por outro lado, o artigo visa também chamar a atenção das autoridades, e de forma mais contundente, para o mais grave problema de todos, e que vem acontecendo há muitos anos: a inaceitável e perigosa carga poluente de residuais químicos que está sendo despejada no lençol freático da região e, por extensão, conseqüentemente, atingindo toda a população que se abastece das águas do Rio do Peixe. Esses resíduos, entre os quais o Nitrato, originário do Nitrito, um dos principais componentes das rações animais, são altamente prejudiciais à saúde e a presença deles na água, em alto grau, pode representar sérios riscos, com o aparecimento de uma série de graves doenças, inclusive o câncer. Por fim, o artigo tem a finalidade ainda de estimular, não só os questionamentos, mas a produção de materiais educativos voltados para os interesses e necessidades dos gestores ambientais, e que sirvam para promover e projetar as ações afins que são realizadas com base nas ações promovidas pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio do Peixe.

Palavras-Chave: Rio do Peixe, Bacia Hídrica, Água, Poluição, Produtos Químicos.

Bacia hidrográfica é uma unidade territorial que se destina a implantação da Política Nacional de Recursos Hídricos; e a gestão desses recursos hídricos deve ser descentralizada, contando com a participação do poder público, dos usuários e das comunidades, conforme preconiza (Brasil, 1997; Deluque, 2002). As suas diretrizes gerais baseiam-se na gestão sistemática, com vistas a qualidade e a quantidade, tendo por norte as diversidades físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais da região. Como se sabe, o direito de uso dos recursos hídricos é assegurado, por lei, através de outorga, a fim que se obtenha o controle da quantidade e da qualidade do produto destinado a captação e que faz parte de uma parcela existente em um curso de água para consumo, como abastecimento público ou como insumo para processos produtivos. Mas, o sucesso de uma política racional de recursos hídricos depende muito de conhecimentos científicos e tecnológicos, além de capacidade de formar e treinar pessoas, nos mais diferentes níveis, que possam defender os interesses de todos, com base na lei das águas. É evidente, porém, que o senso crítico e observador dos representantes das comunidades mais próximas dos cursos d água, mesmo que não especializados nas ciências afins, é altamente positivo porque ele contribui para que haja discussões em torno do tema, e essas discussões, por sua vez, geram iniciativas que, quase sempre, resultam em ações concretas.
O desorientado crescimento das cidades, há tempo compromete a preservação do meio ambiente, e os primeiros a sofrerem as conseqüências diretas são os chamados rios urbanos, como é o caso do Rio do Peixe. Esse rio, desde a sua nascente, no município de Calmon, até a sua foz, no Rio Uruguai, em Piratuba, recebe uma pesada carga de poluentes, originária de nada menos do que treze cidades. Essa poluição urbana é gravada pelo fato de que o rio banha uma região de altíssima concentração de produção agrícola, baseada, essencialmente, na criação de aves e suínos, cujos dejetos são altamente poluidores, haja vista a elevada concentração de componentes químicos presentes nas rações industrializadas que são a base da alimentação desses animais.

As agressões ambientais, entre as quais as praticadas contra o Rio do Peixe, dentre outros problemas, comprometem a qualidade de vida dos habitantes, e a constatação dessa realidade está nos indicadores sociais e econômicos, observados em trabalhos científicos recentes, entre os quais alguns que mostram as intervenções realizadas na Bacia do Rio do Peixe nos últimos tempos. Esses estudos, mesmo para os leigos, e observados sob à luz de duas áreas de conhecimentos importantes, como a Engenharia Ambiental e da Hidrologia, não deixam dúvidas sobre a urgente necessidade de se ter um olhar atento para o que acontece no dia-a-dia desse importante rio, e mais do que isso: é preciso, não só cobrar atitudes governamentais, como também participar diretamente de gestões integradas que possam contribuir para amenizar ou, até mesmo, eliminar a poluição ambiental que atinge essa Bacia. Independente de ações técnicas mais especializadas, as quais demandam estudos aprofundados, permanentes e consistentes, há que se agir rapidamente, e também de forma permanente, para minimizar, ao máximo possível, os impactos ambientais negativos que atingem a todos, através da gradativa busca de condições originais da bacia, onde for possível, levando-se em consideração os traçados do rio e valorizando, ao máximo, os seus aspectos naturais. É notória a necessidade, urgente, de se evitar a ocupação de faixas marginais; recompor a mata ciliar e preservar a vegetação dos mananciais e das encostas, e faz-se necessário, ainda, cobrar, seriamente, das instâncias governamentais, o uso adequado de recursos financeiros destinados às questões ambientais e o rígido cumprimento da legislação ambiental, através de um elaborado plano de gerenciamento integrado da bacia, destacando a participação efetiva das comunidades envolvidas nesse processo.

Em um passado não muito distante, quando o escritório regional da FATMA-Fundação de Amparo e Tecnologia do Meio Ambiente, sediado em Joaçaba, tinha sob sua direção a engenheira ambiental Elfride Anrain Lindner, foi possível se constatar, claramente, uma ação de governo eficiente na busca da melhoria ambiental regional, notadamente com relação aos aspectos negativos, mais visíveis, que se abatiam sobre o Rio do Peixe, e que tinha, e ainda tem, outras duas agravantes: ora o excesso de precipitação, ora a escassez de precipitação; não havendo, portanto, a regularidade desejada. Aliás, no resumo de sua tese de Doutorado, em 2007, intitulada “ESTUDO DE EVENTOS HIDROLÓGICOS EXTREMOS NA BACIA DO RIO DO PEIXE – SC COM APLICAÇÃO DE ÍNDICE DE UMIDADE DESENVOLVIDO A PARTIR DO TANK MODEL”, do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Santa Catarina, Elfrid frisa que “A Bacia Rio do Peixe, no Meio-Oeste do Estado de Santa Catarina, sofre de desastres naturais, causados pelo excesso e pela escassez de precipitação”.

Quando foi Diretora Regional da FATMA, em Joaçaba, Elfrid fez com que o órgão tivesse atuação firme no sentido de cumprir, ao máximo possível, o que a legislação previa à época, exigindo do setor produtivo poluidor, localizado às margens do rio, investimentos necessários para que se pudesse reduzir, ao máximo possível, a carga poluidora que, praticamente, estava matando o Rio do Peixe. Essa ação governamental, que não se resumiu apenas a punir com multa os poluidores, o que também não deixou de acontecer, refletiu muito na conscientização das comunidades ribeirinhas, as quais passaram a ter posturas mais criticas com relação às empresas poluidoras e até mesmo com as suas próprias ações. Diante dessa atitude firme do Estado, houve, também, por parte do setor produtivo, notadamente as grandes empresas industriais, localizadas ao longo das margens do rio, desde Caçador até Piratuba, uma conscientização de que era possível reduzir a carga poluidora com investimentos financeiros que, no futuro, seriam revertidos sob forma de ganhos ambientais que teriam reflexos positivos para os negócios das empresas em âmbitos nacionais e internacionais, o que, em conseqüência, redundariam em retornos financeiros que compensariam o que, a principio, lhes pareciam pesados custos.

A atuação de Elfrid Lindner, em duas áreas distintas; uma como ex-Diretora de um órgão governamental, crido para sistematizar, gerenciar e fiscalizar possíveis degradações ambientais; e a outra, como acadêmica, com um trabalho essencialmente técnico, motivado, principalmente, pela preocupação da redução ou excesso de precipitações pluviométricas na região do principal rio do Meio Oeste Catarinense, foi, e continua sendo, de fundamental importância para a compreensão, mais abrangente, da nossa realidade hídrica. Porém, em ambos os casos, a pesquisadora passou ao largo de outro problema, que no nosso entender, é um dos mais sérios e preocupantes: a grande quantidade de produtos químicos, originários da avicultura e suinocultura, que está sendo absorvida pelo lençol freático regional, e sobre o qual daremos ênfase nessa abordagem.

Há uma estimativa de que a quantidade de água que existe no planeta é a mesma desde a Pré-História. Porém, como é fácil constatar, a população do mundo cresce aceleradamente a cada dia, o que, obviamente, aumenta acentuadamente o consumo de água e, além disso, o próprio utilizador desse precioso bem é o responsável pela sua constante degradação, provocando, inclusive, alterações no ciclo hidrológico. A principio, fica claro que a terra tem um potencial hídrico muito além das necessidades da população, em termos gerais, mas a disponibilidade da água, no tempo e no espaço, e o evidente desordenamento da ocupação e fixação do homem no planeta, faz com que haja um sério comprometimento sobre a existência e a qualidade da água a ser captada no futuro, haja vista que já nos dias atuais não é de todo estranho se ouvir falar em “crise da água”.

A concentração populacional em torno das águas é biológica, estratégica e inevitável, e a geografia mostra que há uma população reduzida onde há uma acentuada escassez de recursos hídricos, como os conhecidos desertos, principalmente no Oriente Médio. Onde há abundância de água, e consequentemente terras férteis, flora e fauna, existem concentrações habitacionais expressivas. (Oliveira, 1998). Equivocadamente tida como um bem natural, que está à disposição para atender às necessidades do homem, e que é uma fonte renovável de potencial infinito, a água acaba sendo utilizada também como fonte de despejo de dejetos, sem se falar no alto grau de desperdício (Saito, 2001a). Hoje, segundo um estudo da Agência Nacional das Águas, calcula-se que, em média, 20% da população do mundo, algo em torno de quase um bilhão e meio de habitantes, esteja tendo dificuldade para ter acesso a água, e ainda com o fator agravante de que o saneamento básico não está a disposição para aproximadamente três bilhões de pessoas. (ANA, 2003).

A queda da qualidade e da quantidade da água, pode-se dizer que é uma crise devidamente anunciada, seja aqui no Vale do Rio do Peixe ou nos paises da África, e está baseada em negligentes e absurdas gestões ambientais. À exemplo do que ocorre em outras regiões, no Brasil ou em outros países, no Vale do Rio do Peixe a captação de água, o despejo de efluentes, a ocupação indevida das margens e a derrubada das matas ciliares resultaram em alarmante redução da qualidade e disponibilidade de água. Aliás, no plano mundial, estudos das Nações Unidas indicam que, em breve, mais de dois bilhões de pessoas poderão não ter água em quantidade e qualidade suficientes para a sobrevivência, como observou, em discurso na ONU, o ex-Secretaria Geral Kofi Annan: “Se o desperdício atual continuar, em vinte anos, duas pessoas em cada três sofrerão efeitos da escassez de água”.

Na atualidade, quando se enaltecem os avanços e as conquistas da chamada globalização, o desenvolvimento sustentável pode ser a resposta positiva para a ruptura de uma lógica de modernidade, o que quebra, de certa forma, alguns paradigmas existentes, e faz com que haja a compreensão do crescimento produtivo equilibrado com o meio ambiente, tornando a água um bem não negociável, não sujeito ao comércio e ao lucro, mas sim como fonte natural de benefícios. Nesse sentido a Lei n.º 9.433/97, da Política Nacional de recursos Hídricos, prega que a água é um bem de domínio público, e dispensa de outorga e de cobrança as captações, derivações e emissões consideradas insignificantes. (2005, p. 249).

Os planos de gestões hídricas, estimulados a partir de orientações técnicas e políticas governamentais, porém, devem ser mais esmiuçados, estudados, entendidos, alterados e até rejeitados pelos setores organizados da sociedade. A maioria desses planos foi gerada no bojo de uma estrutura governamental política-ideológica externa, e que tem na premissa da iniciativa privada o objetivo final; logo os meios para chegar a esse intento podem justificar algumas nuances que ocasionam prejuízos incalculáveis do ponto de vista estratégico ecológico. A privatização das águas pode ser uma dessas conseqüências, hoje já realidade em diversos países, inclusive da América do Sul, já que em alguns deles os grandes lençóis se tornaram propriedade privada de grupos estrangeiros, como é o caso do Chile, que “vendeu” suas águas para a britânica Thames Watter.

A privatização das águas no Chile é tão alarmante que até a Igreja está horrorizada, a ponto de propor, em documentos oficiais, que haja uma “visão ético-religiosa da questão do meio ambiente, questionando duramente o modelo econômico que permite a venda de recursos naturais, entre os quais, a água”. O padre brasileiro, Leonardo Boff, fundador da Teologia da Libertação, ficou chocado com o que viu e leu no vizinho país: “Fiquei escandalizado quando li o texto da legislação que regulamenta o uso das águas neste país. Existe um impulso de privatização muito forte", denunciou Boff, numa entrevista coletiva realizada em Santiago do Chile.

O espanto do “padre nosso” sobre a privatização das águas será tema de um outro artigo, já que nesse, o objetivo principal é chamar a atenção para o que se considera muito mais grave ainda: a contaminação de nossas fontes naturais por resíduos de produtos químicos. E a minha preocupação com tema se acentuou a partir do momento em que nas discussões do I Fórum de Revitalização do Rio do Peixe, e na abordagem do Governador sobre investimentos na área ambiental na região, não se tocou na questão dos poluentes mais graves, como é o caso do Nitrato. Estudos conceituados, em todo o mundo, demonstram, claramente, os gravíssimos danos que são causados ao meio ambiente pelos derivados do Nitrato, como o Nitrito, por exemplo. Esse componente químico que está presente nas rações, e indiretamente é utilizado em grande escala por todo o processo produtivo agroindustrial, principalmente na produção de aves e suínos, pode acarretar danos irreversíveis à saúde humana, além de catastróficos reflexos negativos à economia regional, hoje praticamente baseada na avicultura e suinocultura.

O composto concentrado de Nitrito, presente em adubos e rações, é depositado no solo através das fezes de aves e suínos, e as águas das chuvas se encarregam de levá-las para os lagos e rios, e até mesmo para os lençóis freáticos mais preservados e profundos, como é o caso do Acquífero Guarani, que na região tem algumas fendas “desprotegidas”, que podem ser o canal de entrada da temível contaminação. O alto teor de nitrito nas águas pode causar uma doença câncer, o que tem motivado inúmeras discussões, nas áreas médicas, e muitas preocupações nas áreas política e econômica dos governos. Sabe-se que no estômago, nitritos podem ser convertidos em nitrosaminas [(CH3)N-NO], que são substâncias potencialmente cancerígenas, e esses compostos de N-nitroso podem aumentar o risco de câncer de estômago e também para alguns outros tipos de câncer, como do cólon, segundo estudos do World Cancer Research Fund. American Instituto for Cancer Research. (Cured and smoked foods. In: Food, nutrition and the prevention of cancer: a global perspective. Washington: American Institute for Cancer Research; 1997. )

Desde o reconhecimento dessa realidade, ou seja, do poder carcinogênico das nitrosaminas, as indústrias e os governos vêem enfrentando permanentes dilemas, pois de um lado está a preocupação com a saúde pública; e, do outro, a grande temeridade de um desastre ambiental de tal gravidade, que poderá representar o colapso econômico de toda uma região, o que pode não estar muito longe de acontecer em se tratando, principalmente, de Vale do Rio do Peixe. Nessa região, mesmo sem um estudo mais aprofundado e científico (o que, aliás, as universidades regionais já estão nos devendo há tempo), e apenas na observação leiga, mas, mais aguçada, é possível detectar de que temos por aqui, com certeza, na proporção, umas das maiores concentrações de criação e produção de aves e suínos do mundo, o que, evidentemente, por si só, já gera uma preocupações. Vale ressaltar, a título de observação, que na Europa, por exemplo, o controle com relação a área destinada a criação de aves e suínos e o número de animais permitido por hectare é de extrema rigidez, e o motivo não é outro, se não a preocupação com a qualidade ambiental e a saúde, é claro. Observa-se, ainda, e também sob o aspecto leigo, e sem dados científicos oficiais, (e nesse aspecto também pecam gravemente as nossas instituições de ensino superior já que não há um estudo, sequer, a respeito do assunto), de que é grande, para não se dizer até alarmante, o número de casos de câncer que se tem conhecimento, e na sua maioria, localizados no intestino, esôfago e estomago, o que desperta a preocupação e a atenção até mesmo de quem é leigo.

* João Paulo Dantas é jornalista (DRT MT/MT 239 JP), Apresentador e Produtor de Televisão e escritor (Autor dos livros Besta Fera Capitalista, e Joaçaba, Samba. (E Faz Escola), Desde 1930. (A ser lançado em breve);