quarta-feira, 30 de março de 2011

A LIGA AGREGA E TRIPLICA ESFORÇOS

Em geral, o conjunto das escolas de samba tem conseguido, ultimamente, transitar com certa normalidade pelos tortuosos e burocráticos caminhos oficiais, e tem tido razoável sucesso; sem não antes, porém, penar bastante, principalmente, pela morosidade tradicional nessa área, em que pese a utilização de táticas que não implicam em enfrentamento, e sim alianças pontuais. Em torno da Liga, as escolas se “entrincheiram” e vão ao combate da boa luta, já que a batalha em busca de recursos é sempre muito árdua e por isso elas não podem gastar munição com brigas internas. Ultimamente, de forma mais organizada, através da Liga, esse processo de busca de recursos tem se dado de maneira mais profissional, mas, individualmente, ainda falta um pouco de estruturação das escolas, no sentido de complementar os valores necessários para a produção de seus espetáculos.

Paralelo ao malabarismo para o equilíbrio com o staff oficial, o corpo dirigente das escolas enfrenta, às vezes, polêmicas internas e externas, que dizem respeito aos quesitos autonomia e dependência, e por outro lado a negritude e o branqueamento, acrescidos da questão da tradição, e os vínculos, ou falta deles, com as comunidades. Tudo isso, numa região onde, aparentemente, os aspectos tradicionais que movem o encantamento do universo da fantasia, são desconhecidos, e deixa confusa boa parte dos próprios integrantes das escolas.

Essas questões, às vezes, passam alheias à maioria dos integrantes das escolas e aos expectadores, em geral, que assistem tudo à distância, tendo como intermediário apenas a mídia; que também está ainda desfocada da visão histórica e cultural do mundo carnavalesco, e com isso acaba reproduzindo, aleatoriamente, uma série de conceitos, emitidos, às vezes, por quem, a priori, não tem a mínima noção do que é, de fato, a discussão em questão. Na verdade, esse confuso caldeirão de antagonismo acaba servindo para cozinhar a cultura que foi, até de certa foram, servida meio crua, motivo pelo qual ainda ela não foi devidamente digerida, criando um processo, altamente positivo, no sentido de dinamizar e processar bem as transformações necessárias, o que vai justificando, mesmo que lentamente, as alterações ocorridas, não só nas escolas como na própria estrutura de poder, que, em última instância, é a que acaba respondendo por todas as conseqüências, positivas ou negativas.

Diferente de outros centros, onde a cultura negra, mesmo antes da sua projeção através do carnaval, disputava com as demais manifestações de origem dos colonizadores; em Joaçaba, o nascimento e desenvolvimento das escolas de samba se deram, justamente, entre as comunidades que são formadas por descendentes de alemães e italianos, detentores, por conseqüência, da hegemonia das atratividades culturais. Enquanto nos centros de referências da cultura carnavalesca, as escolas de samba foram surgindo de ranchos, cordões e blocos, baseados em comunidades populares, como conjuntos habitacionais e favelas; em Joaçaba as entidades carnavalescas sugiram de grupos sociais, de classe “média-alta”, para os padrões regionais, e formados por pessoas que tinham históricas descendências sócio-culturais, e, a maioria, com ligações étnica ítalo-germânicas. Enquanto uma das primeiras escolas surgia da união de uma companhia teatral com um bloco carnavalesco, formado por jovens de classe média; a outra nascia da histórica união de um grupo de jovens casais, da alta sociedade joaçabense e hervalense, que nos períodos carnavalescos reunia-se para se divertir, saindo às ruas das duas cidades, em forma de bloco. É evidente, porém, e muito importante, mencionar que apesar do aparente “branqueamento” das escolas de samba, no seu nascedouro; tinha-se, no bojo da história passada dessa cultura, uma semente de origem afro, plantada nas primeiras décadas do século vinte, tendo-se por base, principalmente, o batuque de Candomblé, praticado em Herval d´Oeste, num terreiro chamado Casa Nova Era.

Aumentar o prestígio ou o reconhecimento das escolas de samba, conquistando mais espaços sociais, é sempre um dos objetivos dos dirigentes, já que essa moeda pode representar mais poder de persuasão na defesa de seus interesses nas complexas e invisíveis redes de disputas de bastidores, inimagináveis para as pessoas que apenas assistem aos espetáculos. A disputa, inicial, pela conquista da simpatia social, portanto, já passou para a fase da disputa pela supremacia financeira, pois com ela, principalmente no mundo da fantasia, é possível se “conquistar” apoios tão ou quase tão importantes quanto àqueles advindos dos esforços sociais, junto a segmentos considerados potenciais pelos outrora recrutadores de simpatias, e que hoje foram transformados em exímios “captadores” de garantias financeiras. Mas, apesar de toda essa transfiguração, que gera apoio ou discordância, há que se ressaltar que o mundo do carnaval mantém, à duras penas, uma base que não pode ser desprezada, em hipótese alguma, e que dá uma sustentação para a sua defesa intransigente: a manutenção simbólica de uma brasilidade, que traz com ela um conjunto de signos representativos da trajetória de uma raça, que é um dos pilares de sustentação da nossa identidade, portanto, algo inerente à cultura nacional. Por outro lado, como um dos aspectos mais concretos desse imaginário místico, está a fecundação de uma semente comunitária, de grande valia cultural e educacional, cujos resultados positivos, mesmo que mal absorvidos, ainda são responsáveis por boa parte da diminuição dos processos degenerativos, comuns nas áreas mais carentes das periferias.

O percurso histórico das escolas de Joaçaba e Herval D`Oeste, apesar de alguns percalços, na condução de suas trajetórias, já deixa legados fundamentais para a construção de uma compreensão maior da cultura carnavalesca no Vale do Rio do Peixe. Uma das vertentes que poderá ser bem aproveitada desse processo, até mesmo melhor do que em qualquer outra região, caso haja razoável pequeno esforço nesse sentido, é a área “pedagógica-cultural”, já que nas escolas de samba repousam extraordinários saberes que podem ser de grande utilidade para a formação de boa parcela da população, haja vista que as ações de cultura e arte, hoje produzidas e promovidas por essas entidades, atingem diferentes aspectos, o que as tornam, de fato, em exímias construtoras de ensinamentos.

No aspecto social, ou das ações que emanam dessa área, já está consolidada a histórica tradição da salutar vivência comunitária, entre os adeptos das escolas, e a relação cordial destes com os outros segmentos, o que é um aprendizado extremo de convivência com o diferente e o com o similar, seja no aspecto de pequenos núcleos, como são as comunidades de bairros, ou até mesmo em um leque mais amplo, em que massas antagônicas podem estar envolvidas, como no caso dos desfiles, que reúnem sempre milhares de pessoas que, mesmo disputando preferências, conseguem, pacificamente, em nome da ordem pré-estabelecida, cumprir os seus papéis. O marketing do relacionamento é um ganho extraordinário para todos das comunidades e contribui para valorizar as reivindicações das entidades, já que através do reconhecimento de seus procedimentos sociais, há um visível empenho de outros segmentos no sentido de contribuir, sempre que necessário. Por outro lado, o processo de integração, baseado na convivência, e tendo como ingredientes as referências culturais ancestrais, facilita a ponte entre a tradição e a modernidade, fazendo uma combinação de interesses que criam e recriam conceitos, o que é, fundamentalmente, o objetivo da ação educativa.

Aparentemente, e do ponto de vista externo, a elaboração e manutenção da pacífica ação coletiva, no mundo carnavalesco, é natural e sem maiores transtornos; mas, na verdade, há, sim, conflitos que geram profundos desentendimentos e que, muitas vezes, acabam por atingir e prejudicar uma parcela significativa das forças de atuação dentro de células núcleos do processo. Por isso é que há uma luta constante, principalmente entre os integrantes mais velhos das escolas, para a preservação, mesmo que com um pouco de deturpação, de ritos da tradição, já que com base neles, e em nome de um objetivo até místico, é possível se fazer o enquadramento social no sentido da manutenção da convivência e sobrevivência das entidades, porque sem elas a lógica perderia o sentido. Para o desenvolvimento desse processo, na tentativa de assegurar coesão interna e externa, e amenizar as influências político-partidárias, que são preocupantes no amplo universo das entidades carnavalescas, pois elas podem até atrelá-las ou desestruturá-las, o caminho mais fácil é a descentralização das instâncias de poderes, através de comandos decisórios diferenciados, e o salutar estímulo à democracia. O aspecto político mais interessante, e estimulado constantemente no interior dos barracões, e que faz parte de uma concepção pedagógica, é o da organização política representativa das escolas, para que se possa ter mais força para fazer alianças com outros segmentos da sociedade e, conseqüentemente, assumir, de fato, direitos e deveres. A criação da Liga, por exemplo, é fruto dessa preocupação organizativa, e representa importante fórum de debates na luta pela manutenção ou ampliação de suas conquistas, e se torna fundamental para inibir tendências de parcialidade em prol de determinadas correntes partidárias. Essa postura evita, entre outras coisas, o paternalismo e o clientelismo políticos, e a prática acaba sendo vista entre os componentes das escolas de samba como uma espécie de “ISSO” ético e moral invisível; tal qual um manual no qual estão contidas as rígidas normas que são indispensáveis para a manutenção da unidade.

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