domingo, 29 de março de 2009

... E ASSIM FOI, NAÇÃO AZUL E BRANCA !

A Vale Samba fez do desfile, a festa dos seus trinta anos de Avenida. Um desfile grandioso para comemorar as três décadas da escola de samba com o maior número de títulos do carnaval de Joaçaba. Foi uma apresentação aguardada com tanta ansiedade pela torcida da Vale Samba que deixou os dirigentes e os componentes com a emoção à flor da pele. O clima na concentração dava mostras da importância contida no enredo “África, Velha Matriz: a Vale é Samba...É Raça.....É Raiz”, uma alusão à fundação da azul e branco, a partir da influência africana no Brasil, com ênfase para o samba.

Na concentração, a apreensão estava expressa no rosto de Luiz Dorini, o destaque da primeira alegoria da escola, içado por um guincho até o esplendor de seis metros de largura e sete metros de altura. Desfilantes corriam até os seus setores e procuravam os coordenadores, enquanto uns sorriam, outros dançavam, e outros tantos rezavam. No deslocamento dos carros, pressa e atenção, e todo cuidado. O que ainda foi pouco, pois os maiores chegaram até a enroscar em fios de energia e barreiras das ruas que ficaram estreitas. Houve danos, mínimos, mas preocupantes, é claro, mas nada que tirasse o brilho do espetáculo. Desde o lançamento do enredo, os objetivos maiores eram as pessoas e as artes E a arte deveria estar em primeiro lugar, e arte que não vibre com células humanas, não é arte. É cópia fria da natureza; é traição fotográfica. A remoção dos carros exigia extremo cuidado, mas o cuidado maior era com os desfilantes das alas e com os destaques, que subiam por escadas até o topo das alegorias. O burburinho causado pela presença do ator global Aílton Graça (o Jacaré da novela As Três Irmãs), fez muita gente deixar seus postos para fotografar ao lado da celebridade. Quando a escola estava toda posicionada, foi a vez do ator sair de seu setor. Ailton ajudou a distribuir bandeiras da escola para o público, que, a essa altura, já delirava com a expectativa e vibrava com a simpatia do ator.

Em poucos minutos, a Avenida do Samba, que até então tinha se esverdeado para receber a Aliança, que acabava de passar, transformou-se num imenso mar azul, e as bandeiras tremulavam da concentração à dispersão. O Presidente Carlos Alberto “Preto” de Pelegrin, no microfone oficial, iniciou o chamamento aos mais de dois mil integrantes da Vale Samba, com uma frase curta e empolgante: “Vamos com garra, meu povo”. A multidão foi ao delírio, e se o espetáculo terminasse naquele momento, já teria valido o ingresso pago. Quando os acordes do samba e as vozes dos puxadores anunciaram a chegada da “onda azul”, Jorge Zamoner, carnavalesco da escola há trinta anos, se recolheu solitário aos pés de São Jorge (o Pai Ogum), apresentado logo atrás da Comissão de Frente. Ali, em silêncio, e certamente com o pensamento voltado à sua mãe, que ele tanto teme que possa lhe faltar justamente em um carnaval, pediu bênção, chorou e fez preces com os olhos voltados aos céus. Logo em seguida, porém, quando todos já cantavam “bate forte bateria, a festa vai começar”, o carnavalesco e o presidente extravasavam a tensão, demonstrando nos gestos, belíssimos sorrisos e emocionantes reverências ao público, a grande alegria de comemorarem na Avenida trinta anos de história de carnaval.

Na Comissão de Frente, homens sob a forma de guardiões africanos representavam na coreografia de passos firmes a Aiyê, a terra, símbolo do princípio de tudo para os povos primitivos africanos. A primeira alegoria pedia passagem com Olorum, Deus dos deuses africanos. Na seqüência, baianas carregadas de simbologias, chamavam a atenção para as origens afro-baianas do samba. Alegoria e alas seguintes mostraram a natureza, flora e fauna da África. O primeiro casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira, formado pelo dançarino, coreógrafo e professor Júlio Albeguini e pela dançaria e atriz Fernanda Zamoner, filha do carnavalesco, e que é Porta-Bandeira da escola desde criança, trajava fantasias luxuosas, e demonstrava total sincronia de movimentos. Os dois bailarinos, considerados um dos mais perfeitos pares de Mestre-Sala e Porta-Bandeira do Brasil, e que se apresentam juntos há nove anos, mereceram um “sem palavras” de uma das juradas do carnaval, nas observações das planilhas de julgamento, e nota dez de todos os quatro julgadores do quesito. Logo atrás do Casal, veio a Bateria, trajando as cores da escola, com os ritmistas simbolizando os Griôs (guerreiros e contadores de histórias) na mitologia africana. Com mais de cem componentes, sob o comando do Mestre César Farias, a Bateria detonou e fez o público explodir de emoção, e do começo ao fim do desfile, sem restrições, foi cooptando dez do corpo de jurados. Outras cinco Alas precederam a terceira Alegoria, onde um grupo de atores, do curso de artes cênicas da Universidade do Oeste de Santa Catarina, encenou, em passos e gestos, a travessia dos negros da liberdade à escravidão. A Alegoria seguinte, um tripé em forma de Totem, fez uma homenagem a uma das fundadoras, e representante maior dos negros dentro da escola: Dona Olívia dos Santos, que por muitos e muitos anos foi a Primeira Porta-Bandeira da Vale Samba, e hoje é destaque da Ala das Baianas. A quinta Alegoria mostrou elementos das diferentes manifestações, como o canto, a dança, a música, a religião e a culinária, legados dos descendentes de escravos. Na décima sétima Ala, destaque para as crianças, que se apresentaram como Filhos de Ghandi, uma alusão ao tradicional bloco do carnaval baiano. As Alas seguintes mostraram em coreografias, os ritmos que deram origem ao samba, como o maxixe, o lundu, a capoeira e o próprio samba, depois da projeção conquistada fora do Rio de Janeiro. E a atenção desse momento do desfile foi dirigida ao ator Aílton Graça, que deu show de ginga e carinho com a platéia. A sexta Alegoria lembrou nomes como Donga, Cartola e Pixinguinha, para exaltar o samba. A vigésima quarta e última Ala, foi a Velha Guarda, formada por alguns dos fundadores da escola, seguida por uma Alegoria que era uma composição tripla, destacando dos antigos carnavais de salão, com suas máscaras, confetes, serpentinas, pierrôs e colombinas, aos grandes desfiles das escolas de samba. A representação visual alegórica fez uma homenagem às escolas e a alguns personagens do candomblé e do carnaval do Vale do Rio do Peixe, como Mãe Pretinha, adepta do Tambor-de-Mina; Lazinho e Altemar, batuqueiros dos tempos do terreiro da Casa Nova Era; Dona Maria dos Prazeres, mãe-de-santo e porta-bandeira; Tupira, criador da primeira escola de samba de Herval d´Oeste; a Bando da Lua, e Mestre Tulíbio, pioneiro mestre de bateria do Vale do Rio do Peixe.

E, assim foi, Nação Azul e Branca. Ao final de sessenta e oito minutos, não restaram dúvidas: esse foi o melhor e maior aniversário da Vale Samba. E a vitória maior foi a emoção de se sentir tantas emoções.

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