domingo, 23 de janeiro de 2011

Candomblé e Carnaval: Joaçaba e Herval d´Oeste

Por Renato Franke/Maria Helena dos Santos

Mandinga, feitiçaria, macumba! Muitas perguntas passam pela cabeça das pessoas quando o assunto são as religiões afro-brasileiras. Afinal, o que são? Como surgiram?O que realmente elas pregam? Quais suas diferenças? Quem as pratica?

As religiões de origem africana chegaram ao Brasil junto com os escravos, e manter as tradições religiosas era um jeito de conservar a identidade do grupo. Com o tempo, os ritos se misturaram a outras manifestações brasileiras e aos poucos surgiu o Candomblé, e mais recentemente a Umbanda. A quem diga que a umbanda é a mais brasileira das religiões, de origem negra e com fortes influências do Catolicismo e do Espiritismo, a mistura atrai milhares de seguidores, especialmente em São Paulo, no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul e na Bahia. Em 1991, existiam quase 650 mil adeptos, de acordo com o censo do IBGE, mas acredita-se que esse número seja ainda maior, pois muitos adeptos temem sofrer preconceito ao se declararem umbandistas.

As religiões como o candomblé e umbanda têm uma relação simbiótica, genésica, com a cultura afro-brasileira. A origem do carnaval carioca, por exemplo, surge das festas do catolicismo popular dos negros, mesclados ao jongo, samba de quintal e candomblé. O candomblé, como ritual religioso que é também tem seus momentos carnavalescos, as batucadas, os cantos, o maracatu.

A cultura negra, no Vale do Rio do Peixe

As crenças, a religiosidade, fazem parte da cultura de um povo, e a cultura afro trouxe para Joaçaba o Carnaval. De acordo com João Paulo Dantas, jornalista e escritor, "A cultura negra, no Vale do Rio do Peixe, mesmo que tímida, exerceu algumas influências na região, e entre elas vale destacar, com mais ênfase, o carnaval. Pouca gente sabe, mas o carnaval de desfile de escolas de samba, que hoje acontece com muito sucesso em Joaçaba, mesmo sendo, praticamente, criado e produzido por brancos, de classe média-alta, a exemplo dos centros de excelência dessa cultura, se deve a um pequeno núcleo de negros que existiu em Herval d´Oeste, nos anos trinta e quarenta. Esses negros, a maioria vindos, dos estados da Bahia, Espírito Santo, São Paulo e Rio de Janeiro, chegaram até o Vale do Rio do Peixe por intermédio da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande do Sul, que foi implantada no início do século XX, e teve o seu apogeu nos anos trinta e quarenta”.

Ainda segundo o jornalista, o grupo responsável pelas primeiras manifestações carnavalescas na região, promoveu, inclusive, alguns "desfiles" de blocos pelas ruas de Herval e Cruzeiro (nome de Joaçaba, à época). “A base física dessa manifestação cultural, e que abrigava esses pioneiros batuqueiros, era um terreiro de candomblé; a casa Nova Era, um terreiro que abrigava uma espécie de "Umbandomblé", mistura de Umbanda e Candomblé. Esse terreiro era localizado, em Herval D´Oeste, na então conhecida Coxilha Seca, e tinha sob o seu comando um Pai-de-santo, que era originário da Bahia, mas que morou alguns anos no Rio de Janeiro, antes de vir para Santa Catarina. O pai-de-santo Antônio Nunes de Oliveira, aliás, tinha uma história interessante, mas que poucos tomaram conhecimento: no Rio de Janeiro ele trabalhou, no cais do Porto, como estivador, com um dos expoentes da religião afro e do carnaval carioca, que foi Mano Elói. Esse pai-de-santo carioca foi fundador de três escolas de samba no Rio: Deixar Falar, Vai Como Pode e Prazer da Serrinha, que transformaram-se, muitos anos depois, em Portela e Império Serrano. Foi com Mano Elói que Antônio Nunes de Oliveira, ainda no Rio de Janeiro, aprendeu os ofícios do Candomblé, os quais, já em Herval d´Oeste, repassou para a sua filha Maria dos Prazeres Oliveira, a Dona Maria dos Prazeres, mãe-de-santo e primeira Porta Bandeira da Escola de Samba Unidos do Herval”

Negra, Mãe-de-santo e Porta-Bandeira, Dona Maria dos Prazeres acompanhou, de perto, todas as manifestações referentes a religião afro, com base no Candomblé e na Umbanda, e também ao carnaval. Dona Maria dos Prazeres morreu nos anos oitenta, mas ainda teve a oportunidade de ver a sua escola de samba do coração, a Unidos do Herval, ser campeã, com um enredo histórico: Locomotiva, que contava, subjetivamente, a origem de Herval d´Oeste, com base na história do trem de ferro.

Todos esses resgates da cultura carnavalesca e das religiões afros na região estão contidas no livro Joaçaba, Samba (E Faz Escola), Desde 1934, de autoria do jornalista e escritor João Paulo Dantas, em parceria com o carnavalesco Jorge Zamoner. O livro tem previsão para lançamento, no carnaval de 2011, junto com a comemoração dos setenta e seis anos de atividades carnavalescas, trinta e dois anos de desfiles e quinze anos de fundação da Liga das Escolas de Samba de Joaçaba e Herval d´Oeste.

Dantas, orgulha-se ao falar do trabalho de resgate histórico do carnaval, e das religiões afro-brasileiras manifestadas na região, justamente por ter tido contado com uma das maiores personagens desse enredo. “Eu tive a oportunidade de registrar uma parte da trajetória da pequena, mais importante, história da religião e do carnaval afro no Vale do Rio do Peixe, ouvindo, justamente, uma das mais importantes personagens dessas culturas: Dona Maria dos Prazeres, com quem eu gravei, em áudio, dois depoimentos, em épocas distintas, e justamente sobre carnaval e candomblé. Graças a esses depoimentos, que tinham preciosas informações, eu consegui, mais tarde, levantar uma pesquisa que pôde, pelo menos parcialmente, contextualizar e legitimar os desfiles de escolas de samba, que hoje já é uma cultura consolidada numa região que, pela lógica da sua colonização, não teria o carnaval entre as suas principais manifestações culturais”, destaca.

Hoje, a prática do candomblé e umbanda na região do Vale do Rio do Peixe, parece não mais existir, mas ela veio para ficar e mesmo sendo pouco divulgada, reúne muitos adeptos. A intolerância religiosa talvez seja a principal causa de sua baixa visibilidade, mas os batuques ainda soam, e discretamente cultuam os orixás, mantendo viva uma crença e a cultura negra na região.